Moradores em situação de rua que vivem na Cracolândia, área que ganhou o nome em alusão à concentração de usuários de drogas que a caracteriza, ainda têm sido alvo de violências perpetradas por agentes das forças de segurança pública. O último episódio de grande escala aconteceu nesta quinta-feira (17), durante uma operação realizada na região, que recebia o público do evento internacional Festival Cultura e Pop Rua.
Neste sábado (19), se comemora o Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua, em homenagem às vítimas do Massacre da Sé, ocorrido em 2004. No episódio, sete pessoas foram assassinadas e oito ficaram gravemente feridas, após sofrerem um ataque enquanto dormiam na Praça da Sé.
Notícias relacionadas:SP: Defensoria contesta foco de operação feita na Cracolândia em 2022.Governo de SP vai rever mudança da Cracolândia para Bom Retiro.Movimento social denuncia ação violenta da PM na Cracolândia.Em vídeo obtido pela Agência Brasil, o artista em situação de rua Kleber *, que participou do festival, relata a ação dos agentes policiais que atiraram bombas de gás para dispersar o grupo ao qual estava próximo, logo após o término da apresentação que fez, e caminhava pela rua.
Segundo o artista, durante a operação ele teve uma camiseta nova queimada e um boné danificado. "Levou minhas coisas de barbear, meu dinheiro, meus R$ 50", contou.
Para a diretora executiva da Rede Liberdade, advogada Amarilis Costa, o que há nas entrelinhas do poder da Cracolândia é a especulação imobiliária, além da falha do poder público em limitar sua atenção à esfera de segurança pública, quando a vulnerabilidade da população em situação de rua exige a combinação de medidas de diversas áreas. Para ela, quem tem realmente entendido nuances da região e feito a diferença, por escutar de fato as demandas das pessoas, são os coletivos.
"Um segundo aspecto muito importante para a gente olhar é a forma como a GCM [Guarda Civil Metropolitana] é usada ali na região. Existe um desvio da finalidade da GCM e um uso de seu aparato no sentido de constranger, criminalizar as pessoas que ali estão, um uso da GCM como força policial. Então, a gente tem esse resultado, que eclode como violência, abordagens inadequadas, situações, inclusive, de confronto direto, a que a gente assiste. E a gente precisa falar, justamente, que a condução na Cracolândia é colocada nesse território, nessa região, dessa forma, justamente para viabilizar o barateamento dos imóveis, com vistas a uma grande especulação imobiliária", denuncia Amarilis, que também defende mudanças na abordagem da Polícia Militar.
"O projeto de isenção de IPTU é uma articulação dos comerciantes da região, dos proprietários de pequenos comércios, de imóveis, que se entendem prejudicados, mas ele [projeto], obviamente, não é uma forma adequada, organizada de resolver o problema, porque dá o protagonismo a quem detém propriedade privada, o protagonismo de um problema social, e, em nenhum momento, articula soluções efetivas de acolhimento, reparo e redução de danos para quem está sendo marginalizado e explorado", avalia a advogada. Monitoramento
O fluxo de usuários de drogas que vivem na Cracolândia tem tido acompanhamento de perto, por parte da Prefeitura de São Paulo, que lançou um painel no qual se pode visualizar a variação no volume de pessoas desde o dia 1º de janeiro até o presente. A ferramenta foi concebida no âmbito do Programa Redenção e é descrita como "painel de monitoramento de cenas de uso da região da Luz".
Na contagem, a prefeitura considera aglomeração quando pelo menos 30 pessoas se reúnem. Consta, no site, ainda, a explicação de que o método que se adotou foi o de Jacobs, que mensura a partir da densidade das aglomerações visíveis. A Secretaria Municipal de Segurança Urbana adotou o método, a partir do Programa Dronepol.
"Em multidões mais densas, calcula-se que cada pessoa ocupe cerca de 0,2 metro quadrado; em multidões intermediárias, calcula-se que cada pessoa ocupa cerca de 0,4 metro quadrado; em multidões leves, cada pessoa ocupa aproximadamente 1 metro quadrado", explica a prefeitura no site que hospeda o painel.
"Como estimativa, o método divide todo o espaço do local e das ruas vizinhas em parcelas. Em seguida, são calculadas as áreas das parcelas, utilizando o Sistema de Informação Geográfica e análise das imagens de fotografias tiradas daquele local", acrescenta.
A captação de informações sobre o fluxo acontece em dois momentos do dia. O primeiro é de 10h às 11h, e o outro, de 15h às 16h. O que se observa e confirma é de que o volume de pessoas que circulam na Cracolândia aumenta no período vespertino.
Neste mês, a média de circulação na área, no período matutino, foi de 451 pessoas. Já durante a tarde foi de 508, e o pico do mês foi registrado no dia 3, com um total de 783 pessoas. O painel ainda aponta as ruas que o fluxo percorre, ao longo do tempo.
A prefeitura também tem investido no monitoramento por câmera, por meio do programa Smart Sampa. A cidade deverá receber, até o final de 2024, 20 mil câmeras de segurança programadas para fazer reconhecimento facial.
Segundo a prefeitura, as câmeras custarão R$ 9,8 milhões por mês, gerando imagens que ficarão armazenadas por 30 dias. A zona leste é a que concentrará mais câmeras: 6 mil.
A Agência Brasil procurou a prefeitura e a Secretaria da Segurança Pública, pasta a que estão subordinadas as polícias, e aguarda retorno.
* Nome fictício, a fim de preservar a identidade do artista