O Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) decidiu elevar os juros básicos dos Estados Unidos em 0,5 ponto porcentual nesta quarta-feira, 4, para a faixa entre 0,75% e 1,0% ao ano, uma magnitude de alta que não ocorre desde 2000. Esse movimento acontece devido à inflação excessivamente alta nos Estados Unidos, causada em boa parte pelo aumento de preços de commodities de energia, especialmente petróleo, com a guerra na Ucrânia, e a ruptura de cadeias internacionais de produção geradas pela pandemia.
Economistas nos EUA entrevistados pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) apontaram que com a escalada do índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês), que atingiu 8,5% em março, na base anual, bem maior do que a meta de 2% perseguida pelo Fed, não pode ser tolerada e é preciso agir com muito rigor e rapidez contra ela.
"A postura anterior da política monetária não era apropriada e precisava ser acelerada, a fim de viabilizar a ancoragem de expectativas, movendo-se com maior agilidade para levar os juros reais à taxa neutra ainda neste ano", disse o economista-chefe para os EUA do Deutsche Bank Matthew Luzzetti.
Desde a reunião de março, com a ascensão notável dos preços de petróleo, gás e de alimentos deflagrada pela guerra no leste europeu, dirigentes do Federal Reserve apontavam de forma crescente que os juros precisavam de aumentos extraordinários.
Presidente do Fed de St. Louis, James Bullard começou este movimento no encontro mais recente do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês) quando defendeu um aumento de 0,50 ponto porcentual e foi dissidente da elevação de 0,25 ponto porcentual. Tal ato, na prática, foi um viés de alta que nas semanas posteriores tornou-se praticamente um consenso no banco central norte-americano.
Coube a Powell na reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) de abril sacramentar o novo ciclo de altas mais forte de juros, mesmo que curto. Ele apontou que os mercados financeiros, em geral, estavam com uma leitura correta de que aceleraria o ritmo da política monetária e destacou que o aumento de 0,50 ponto porcentual "estava na mesa" entre as opções no encontro de maio do FOMC.
Não há dúvida de que o Federal Reserve já estava atrás da curva para alterar a política monetária no final de 2021, quando Powell admitiu que não seria mais adequado classificar como "temporária" a expressiva alta dos preços que vigorava desde o início do ano passado.
Houve um grande aumento da geração de empregos nos EUA com o apoio fiscal e monetário para assegurar a recuperação da economia americana após a pandemia, que levou a taxa de pessoas sem ocupação profissional a 3,6% em março.
"Hoje há quase duas vagas para quem procura trabalho no país, o que gera uma preocupação com um aumento maior da inflação causado por elevações de salários", comentou o economista-sênior do UBS Global Wealth Management Brian Rose.
Embora poucos dados mostrem uma alta excessiva dos salários nos EUA é legítima a atenção de Powell para um mercado de trabalho que ele classificou como quente de forma não sustentável, apontou a economista-chefe para os EUA da Oxford Economics Kathy Bostjancic. "Sabemos que o Fed ficou atrás da curva na gestão da política monetária. Contudo, é correto atuar agora para conter a expansão do mercado de trabalho, que já é significativa, sob risco de elevar ainda mais as pressões de alta da inflação com elevações intensas das remunerações de trabalhadores que podem ocorrer no curto prazo."
O aumento da velocidade de alta de juros nos EUA para 0,50 ponto porcentual intensificou os temores de que o país pode até ingressar em uma recessão em pouco mais de um ano, apesar de que nos mercados financeiros a avaliação majoritária é de que o Fed conseguirá um pouso suave da economia, mesmo com elevações mais firmes dos juros.
"Há alguns fatores que permitem uma desaceleração do nível de atividade sem levar os EUA à recessão, como uma poupança extra das famílias próxima de US$ 2 trilhões acima do que foi registrado antes da pandemia", destacou Veronica Clark, economista do Citi em Nova York.
Mesmo com a avaliação de que o Fed subirá os juros em 0,50 ponto porcentual em quatro encontros seguidos, maio, junho, julho e setembro, com mais duas altas de 0,25 ponto porcentual em novembro e dezembro, ela destaca que a economia do país deverá crescer 3,2% neste ano, avançará 2,1% em 2023 e irá subir 1,8% em 2024.
Por outro lado, o Deutsche Bank destaca que a forte magnitude de altas de juros pelo Federal Reserve de agora até o final do ano tornou a recessão o seu cenário-base.
"Mesmo com a alta de juros em 0,50 ponto porcentual em maio, como o núcleo do índice de preços de gastos com consumo [PCE, na sigla em inglês] está ao redor de 5%, as taxas reais dos Fed Funds ainda estarão negativas em 4 pontos porcentuais", comentou Luzzetti. "Para conter a inflação, o FOMC precisará de um aperto monetário robusto para desacelerar bem a demanda agregada."