Lutadores de pelo menos 50 academias diferentes da cidade de São Paulo compareceram nesta segunda-feira, 8, ao Cemitério do Morumby, para o enterro do campeão mundial de jiu-jítsu Leandro Pereira do Nascimento Lo, morto com um tiro na cabeça no dia anterior em um show de pagode na zona sul da capital.
Parentes disseram que o suspeito, o policial militar Henrique Otávio Oliveira Velozo, conhecia Leandro e pode ter agido de forma premeditada, circunstância que ainda deve ser esclarecida pela investigação policial. A Justiça decidiu ontem que Velozo deve seguir preso temporariamente.
Aos gritos de "é campeão", os lutadores com quimonos de várias cores, tecidos, modelos e tamanhos prestaram homenagens ao lutador de 33 anos. O quimono é uma forma de reverência, como explicou Otávio de Almeida Junior, presidente da Federação Paulista de Jiu-jítsu. O uso generalizado foi um pedido da mãe, Fátima Lo, de 48 anos, para homenagear o filho. "Não tivemos uma comunicação oficial. Isso é uma manifestação espontânea dos lutadores de cerca de 50 academias", disse o dirigente. Na capela, durante o velório, o padre permitiu uma salva de palmas. Aos gritos de "é campeão", entoado por uma multidão que os funcionários do cemitério calculam entre 200 e 300 pessoas, Leandro foi enterrado sob forte comoção.
Apoio
A cerimônia, antes restrita aos familiares e pessoas próximas, sem acesso da imprensa, foi se abrindo à grande movimentação no Cemitério do Morumby ao longo do dia. Entre as pessoas que compareceram ao velório estava o chef de cozinha Alex Atala, apaixonado pela modalidade. Ele não falou com jornalistas.
Alguns admiradores saíram de longe. O lutador Carlos Antonio Pereira, de 18 anos, trocou o horário de trabalho para ir ao enterro. De moto, ele saiu de Santana, zona norte, levou o quimono na mochila e colocou na entrada do cemitério. "O Leandro é um ídolo, ele me inspira a praticar o jiu-jítsu", disse o auxiliar de limpeza.
Essa idolatria estava presente também entre os rivais de tatame. Campeão mundial oito vezes, em cinco diferentes categorias, Lo ganhou oito Pan-americanos. "Ele era admirado por todos. Eu não era companheiro de treino dele, mas era uma figura carismática, que deixa um legado enorme para o esporte", afirmou o amigo Fernando Lopes.
O amigo William Carmona lembra que Leandro era conhecido no meio como "campeão do povo", por ter sido revelado para o esporte em um projeto social. A expressão foi repetida por outros colegas. "Ele tinha origem humilde e fez questão de trabalhar pela popularização do esporte, ajudando os lutadores carentes", afirmou Daniel Root, de 48 anos.
Prisão
Ontem, a Justiça decidiu manter a prisão temporária por 30 dias do tenente Henrique Velozo. "Em audiência de custódia realizada no Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães - Barra Funda, o juízo não verificou ilegalidade no cumprimento do mandado de prisão temporária de Henrique Otavio Oliveira Velozo, expedido ontem (domingo, 7) pelo juízo do Plantão Criminal, ficando mantida a prisão pelo prazo de 30 dias", explicou em nota o Tribunal de Justiça de São Paulo.
O PM foi indiciado pela Polícia Civil por homicídio doloso qualificado por motivo fútil, segundo informações da Secretaria de Segurança Pública, que também afirmou que a PM abriu apuração administrativa para investigar o caso. O policial foi levado para o presídio militar Romão Gomes e o caso está sendo investigado pelo 16.º DP (Vila Clementino).
A família reforçou a acusação de premeditação na briga que culminou com a morte de Leandro. "A pessoa que fez isso com ele conhece ele. A pessoa já foi para isso, só não sabemos o porquê, porque não tem explicação da forma estúpida que aconteceu. Ele provocou uma confusão para o Leandro reagir e nessa tirou a vida do meu filho", afirmou a mãe, Fátima Lo, de 48 anos. Esse é o mesmo sentimento da irmã Amanda Lo. "Ele conhecia meu irmão. A gente só espera que a justiça seja feita", disse.
De acordo com o advogado da família de Lo, Ivã Siqueira Junior, o lutador teve uma discussão com o PM no Clube Sírio, durante um show do grupo Pixote. Lo imobilizou o homem que, após se afastar, sacou uma arma e atirou na cabeça do lutador.
Estigma
Lutador na categoria master e sócio de Leandro Lo na fusão de duas academias para tentar viabilizar a profissionalização dos atletas, o empresário Daniel Root, de 48 anos, aponta a estigmatização que a modalidade enfrenta na sociedade brasileira.
Provocação
"Na minha época, era bem pior. O lutador de jiu-jítsu era arruaceiro e briguento. Isso que acontece com o Leandro é comum. Somos desafiados o tempo todo só por causa do nosso estereótipo. Nossa cara é de lutador, nossa orelha é de lutador, nossas tatuagens. Somos provocados, na balada, nos shows, em todo o lugar", afirmou.
Familiares e praticantes dizem que o crime do qual Leandro foi vítima não tem relação com a filosofia da modalidade. "O jiu-jítsu se tornou conhecido pelo modo errado, pelo emprego da mão. A mão é a última coisa que usamos. Ele não tem soco, se tornou conhecido como um esporte violento, mas não é violento", disse Otávio de Almeida Junior, presidente da Federação Paulista de Jiu-jítsu.
Tenente foi condenado em 2021 por agressão e desacato
O tenente Henrique Otávio Oliveira Velozo já tinha sido condenado por desacatar e agredir colegas de farda em 2017. Velozo se entregou à Corregedoria da PM no fim da tarde de anteontem, após ter a prisão decretada pela Justiça.
Em 27 outubro de 2017, o policial estava de folga em uma casa noturna na Lapa, zona oeste da cidade, comemorando o ingresso do primo na corporação. Na ocasião, enquanto voltava do banheiro, seu primo relatou ter sido agredido por sete indivíduos, sofrendo lesões corporais. O agente tentou defender o primo e também disse ter sido agredido.
A Polícia Militar foi acionada por volta das 4h20. Velozo estava nervoso e exaltado, dificultando o trabalho dos militares que atendiam a ocorrência, segundo consta do acórdão do Tribunal de Justiça Militar, que julgou o caso. Além de desacato, também deu um soco no colega de farda.
"Oficial da corporação que, em trajes civis e momento de folga, acaba desferindo um soco no braço de policial militar que foi ao atendimento de uma confusão. Vídeo da agressão confirma a violência contra o inferior", apontou o tribunal militar.
Velozo acabou sendo contido pelos seguranças da casa noturna, momento em que os policiais o desarmaram, pois trazia sua arma na cintura. Em 15 de setembro de 2020, o Conselho Especial de Justiça julgou improcedente a denúncia contra o policial. Na ocasião, ele foi absolvido das acusações de agressão e de ofensa à integridade ou saúde de outrem, mas foi condenado a 6 meses de detenção pelo crime de desacato a militar.
O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) recorreu da decisão, visando à condenação do apelado às penas mínimas fixadas para os delitos.
Em 13 de maio de 2021, ele foi condenado pelo Tribunal de Justiça Militar em segunda instância a 9 meses de detenção pelos crimes de agressão a subordinado e desacato ao oficial, cumprida em regime aberto.
Nas redes sociais, antes de ter as contas fechadas, o policial citava ter graduação em Direito, com especialização em Ciências Jurídicas, e formação em Educação Física. Também se apresentava como analista comportamental. Costumava postar fotos com a farda, com armas, em iates e recebendo a faixa roxa de jiu-jítsu. A reportagem não localizou a defesa do policial.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.