Avanço descontrolado da fronteira agrícola, tráfico de madeira e animais selvagens, plantações de coca e garimpo de ouro ilegal. Na Amazônia peruana, crimes ambientais e outros delitos se confundem e se reforçam, impulsionados pela corrupção de agentes do Estado e a instabilidade política. Além da floresta, os impactos desse processo atingem as comunidades indígenas e tradicionais. O retrato da devastação é resultado de um ano de pesquisas e entrevistas para o segundo capítulo do Mapeamento de Crimes Ambientais na Amazônia, estudo conduzido pela InSight Crime e Instituto Igarapé.
Mais da metade do território peruano é ocupado pela floresta amazônica. São quase 70 milhões de hectares cada vez mais ameaçados. Em 2020, o país andino registrou seu mais alto nível de desmatamento, com um total de 203.272 hectares destruídos, quase 40% a mais que em 2019.
O Peru é a nação com a quinta maior taxa de desmatamento do mundo e a terceira maior da Amazônia, atrás apenas do Brasil e da Bolívia. Ao todo, foram mais de 26 mil quilômetros quadrados de floresta perdidos desde 2001, área maior que o território de El Salvador. As áreas mais afetadas se concentram em comunidades indígenas nos departamentos de Ucayali, Pasco, Junín e Huánuco, na região central do país; em Loreto, no norte, e em Madre de Dios, no sul do país.
Por trás desse cenário, a ilegalidade movida à corrupção, diz o relatório. "A baixa capacidade de fiscalização do Estado, as fraudes e a corrupção fragilizam o combate ao crime", diz Melina Risso, diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé.
Os principais atores do crime ambiental na Amazônia peruana se dividem em três categorias. No topo: autoridades governamentais corruptas e empresas legalmente registradas, que facilitam crimes ambientais. Abaixo desses: pequenas e grandes redes criminosas e empresariais que ajudam a financiar os crimes. E na ponta desse esquema, trabalhadores sem qualificação responsáveis por tarefas como cortar árvores, peneirar ouro ou caçar.
Conforme os pesquisadores, até 80% da madeira produzida no país tem origem ilícita. Em relação ao ouro, a estimativa é de que 28% da mineração do metal seja criminosa, o que significa que é extraído em terras proibidas ou com equipamentos ou maquinário não autorizados. Além de desmatar a floresta, essa atividade ainda é responsável pela poluição e contaminação por mercúrio.
Diante das fragilidades para combater estruturas como essas, as redes criminosas veem no crime ambiental uma oportunidade de negócio com alto potencial lucrativo e baixo risco. "Os atores que compram e movimentam esses mercados ilegais acabam lavando esses produtos", diz a diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé.
O principal motor desse processo é o avanço das atividades agropecuárias, a plantação ilegal de palma para produção de óleo, usado na fabricação de cosméticos e produtosalimentícios, a mais destacada. Em dez anos, as plantações cresceram 95%, muitas vezes avançando sobre áreas protegidas e se valendo de um esquema conhecido como tráfico de terras.
O crime se vale da organização de redes criminosas para estimular a ocupação de áreas da floresta por fazendeiros e comunidades nativas. Com a participação de funcionários dos diretórios agrícolas regionais, o título de propriedade é emitido para que depois possam vender a quem fizer a melhor oferta.
A instabilidade política do país favorece tanto a falta de combate aos crimes ambientais como a corrupção dos agentes do Estado. Em 2020, o Peru teve três presidentes em apenas uma semana. "Graças à instabilidade política crônica, atores ilegais encontram terreno fértil para cometerem crimes ambientais e depredação no Peru", diz Jeremy McDermott, diretor executivo e cofundador da InSight Crime.
Outro efeito se reflete na destruição da floresta para dar lugar a plantações de coca. Algumas das áreas de cultivo estão no chamado Trapézio Amazônico, onde o Peru faz fronteira com o Brasil e a Colômbia. A violência contra comunidades indígenas e lideranças ambientais são resultado também desse processo criminoso.
Região tem laboratórios e pistas de pouso ilegais
Laboratórios e pistas de pouso clandestinas se espalham pela região e dão a dimensão do problema. No departamento de Ucayali, por exemplo, onde 42 mil hectares de perda florestal foram registrados em 2020, 46 pistas de pouso ilegais foram oficialmente identificadas no mesmo ano. Para especialistas o número é subestimado e pode existir o dobro disso.
Além de revelar os problemas na Amazônia peruana, o relatório aponta ações para o país reverter esse processo, como fazer da proteção ambiental uma de suas prioridades, promover a agricultura fora da Amazônia, buscar cooperação internacional, uma vez que muitos dos crimes na região são transfronteiriços, promover a proteção das comunidades indígenas e tradicionais e adotar tecnologias como o uso de smartphones, GPS e dronespara o monitoramento mais eficiente.
"A atuação do setor privado também é muito importante. Não permitir que produtos que não possam ser rastreados entrem em suas cadeias de produção é um exemplo", diz a diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé.