Com os holofotes voltados para a Convenção Nacional, o Partido Democrata focou em temas centrais da sua campanha, como acesso ao aborto e a defesa da democracia, mas sem esquecer o seu ponto fraco: a imigração. Tudo isso, sob o guarda-chuva da "Luta Pela Liberdade", lema da noite desta quarta-feira, 21, que teve como grande destaque o candidato a vice-presidente Tim Walz.
O governador de Minnesota aceitou oficialmente a nomeação, que descreveu como a honra de sua vida. Em discurso bem humorado, com referências ao passado como treinador de futebol americano, Walz disse que está no "time certo". E aproveitou para enfrentar um dos principais desafios que terá de superar nos próximos 76 dias: conquistar a mesma popularidade entre os democratas de todo o país que possui em seu Estado.
"Eu não fiz muitos discursos grandes como este, mas já fiz muitos discursos estimulantes", disse. E seguiu com as referências ao futebol: "É nosso trabalho entrar nas trincheiras e fazer o bloqueio e o tackle", no caso, impedir o adversário de avançar até o gol. "Uma polegada de cada vez, um metro de cada vez, um telefonema de cada vez, uma batida de porta de cada vez, uma doação de US$ 5 de cada vez."
Ele que até duas semanas atrás era pouco conhecido nacionalmente, se apresentou destacando infância em Nebraska, o serviço na Guarda Nacional, e a trajetória como professor e técnico de futebol americano, até o trabalho no Congresso, passando também pelas dificuldades pessoais da família. No discurso, ele passou pela defesa das liberdades, o tema central da terceira noite de convenção. "Kamala Harris vai se levantar e lutar pela sua liberdade de viver a vida que você quer levar. Porque é isso que queremos para nós mesmos e é o que queremos para nossos vizinhos", disse.
E fez um aceno à classe média, eleitorado que será decisivo nas eleições de novembro e que ele terá a missão de mobilizar com o seu perfil de "homem comum" americano. "Se você é uma família de classe média ou uma família tentando entrar para a classe média, Kamala Harris vai cortar seus impostos", prometeu.
Outro destaque da noite foi a presença do ex-presidente Bill Clinton, mais uma importante liderança do partido a reforçar o apoio a Kamala Harris em Chicago. Antes dele, passaram pelo palco do United Center Hillary Clinton, Michelle e Barack Obama e Joe Biden - a quem o ex-presidente prestou homenagem ao abrir o discurso.
Citando desafios da administração Biden, como a pandemia e a guerra na Ucrânia, Clinton afirmou que o presidente fez algo muito difícil para um político: "Ele voluntariamente desistiu do poder".
Ao falar sobre a nomeação de Kamala, ele a exaltou como uma pessoa dedicada a servir ao público em oposição a Donald Trump, que apontou como alguém que, nas suas palavras, continua dividindo e criando caos.
"Kamala Harris é a única candidata nesta corrida que tem a visão, a experiência, o temperamento, a vontade e, sim, a alegria pura, para fazer algo. Veja o que o oponente dela faz com a voz? Ele fala principalmente sobre si mesmo. Então, da próxima vez que você ouvi-lo, não conte as mentiras, conte os 'eus'."
Ignorando o telepromter, o ex-presidente pediu aos eleitores que não subestimassem o desafio à frente.
Ao longo da Convenção, antigos aliados e eleitores também pintam Trump como ameaça. Na noite de quarta, coube a ex-assessora de segurança nacional Olivia Troye. "Estar na Casa Branca de Trump foi assustador, mas o que me tira o sono é o que vai acontecer se ele voltar para lá", disse.
Em apelo aos colegas de partido, ela destacou suas credenciais conservadora e católica ao declarar apoio a Kamala. "Os valores que me fizeram republicana são os mesmos que me fizeram apoiar Kamala Harris. Não porque concordamos em tudo, mas por que concordamos com o mais importante que é proteger nossas liberdades", disse. "Meus amigos republicanos, vocês não estão votando por uma democrata, estão votando pela democracia."
A ideia foi reforçada por Nancy Pelosi. Ela que era presidente da Câmara no dia do ataque ao Capitólio, disse que "a escolha não poderia ser mais clara" ao relembrar o episódio. "O 6 de janeiro demonstrou que a nossa democracia só é forte com a coragem e o compromisso daqueles que são encarregados em cuidá-la", disse. "Nesta eleição, vamos nos manter unidos, rejeitar a autocracia e defender a democracia."
Os discursos políticos foram intercalados à presença de personalidades americanas, como a apresentadora Oprah Winfrey , que fez uma aparição surpresa no United Center. Ela, que é uma das mulheres mais influentes dos Estados Unidos, apoiou publicamente Biden em 2020 e Hillary Clinton em 2016, mas nunca tinha discursado em convenções até esta noite de quarta.
Oprah focou sua fala em liberdade e unidade, temas que pautaram os discursos ao longo da noite, e defendeu Kamala e Walz como os candidatos que "podem dar decência e respeito" aos americanos.
"Quando uma casa está em chamas, não perguntamos sobre a raça ou religião do proprietário. Não nos perguntamos quem é seu parceiro ou como ele votou", disse. "E se o lugar pertencer a uma mulher sem filhos que tem um gato, bem, tentamos tirar o gato também", disse a apresentadora em tom irônico, em uma referência a declarações de J.D. Vance sobre Kamala ser uma mulher sem filhos.
Além de Oprah, outros rostos famosos nos Estados Unidos como John Legend, atriz Mindy Kaling e o cantor Stevie Wonder, que pediu aos eleitores para escolher "a alegria em vez da raiva", participaram da terceira noite.
Guerra em Gaza
Em um dos momentos mais emocionantes da noite, Jon Polin e Rachel Goldberg, pais de Hersh Goldberg-Polin, cidadão americano sequestrado pelo Hamas, subiram ao palco enquanto a plateia gritava "Bring them home" (traga-os de volta para casa). Rachel se debruçou sobre o púlpito aos prantos.
"Esta é uma convenção política, mas o sequestro do nosso filho não é político. É uma questão humanitária", disse Polin. Ele agradeceu pelo apoio que recebeu de democratas e republicanos e pelo determinação do governo Biden-Kamala para liberar os reféns e parar o desespero em Gaza. "Numa competição de dor, não há vencedores".
Foco em acesso ao aborto e direitos
Com o lema "Luta pela Liberdade", noite começou focada no acesso ao aborto, com representantes de organizações sociais dedicadas aos direitos reprodutivos. Alexis McGill Johnson, presidente da ONG Planned Parenthood, relatou casos de mulheres que tiveram abortos negados ao criticar as proibições em Estados como Georgia, Idaho e Texas.
"Não podemos dizer que o país é livre se as mulheres não são livres", disse. "Donald Trump quer que as mulheres sejam menos livres e a gravidez mais perigosa. Mas de jeito nenhum Donald Trump e J.D. Vance são mais qualificados para a decisão que os médicos e as mulheres".
Essa é uma questão cara para Trump. Ele costuma tomar para si o crédito pelo veredicto da Suprema Corte que deixou a decisão para os Estados, mas viu a mobilização dos democratas em torno do aborto frustrar a "onda vermelha" que prometeu para os republicanos na eleição de meio de mandato. E nessa mesma mobilização que os democratas apostam agora.
"É simples", disse Mini Timmaraju, presidente da ONG Reproductive Freedom for All. "Queremos um presidente que diz que as mulheres deveriam ser punidas por abortos? Ou uma presidente que confia nas mulheres?", questionou.
Outro tema presente na terceira de Convenção foi a luta pelos direitos LGBT+, abordado pela presidente da Human Rights Campaign, Kelley Robinson, que relembrou histórias pessoais de membros da comunidade, como um jovem trans indo ao seu primeiro baile e o primeiro casal homossexual a se casar legalmente na Califórnia há 11 anos
"Donald Trump quer nos apagar. Ele proibiria nossa assistência médica, menosprezaria nossos casamentos, enterraria nossas histórias, mas não vamos a lugar nenhum. Não vamos voltar atrás".
Resposta democrata para crise na fronteira
Em resposta aos ataques de Donald Trump, que culpa o governo democrata, em especial a Kamala Harris, pelo que chama de "invasão" de imigrantes nos Estados Unidos, os democratas acusaram o republicano de bloquear o projeto bipartidário que tinha o objetivo de reforçar a segurança na fronteira.
O senador Chris Murphy acusou Trump de acabar com o acordo para dividir a sociedade. "Ele fez isso porque sabia que se consertássemos a fronteira, ele perderia sua capacidade de nos dividir, sua capacidade de atiçar as chamas do medo sobre pessoas que vêm de lugares diferentes."
Na mesma linha, o deputado de origem latina Pete Aguilar, número três do partido na Câmara usou a questão migratória para pregar contra a divisão da sociedade americana: "Não temos que escolher entre proteger a fronteira e construir um país para todos", disse.
'Projeto 2025'
Discurso após discurso, os democratas também bateram na tecla do "Projeto 2025" - plano para governo conservador que foi elaborado por aliados de Trump, mas do qual ele tenta se desvencilhar.
"O Projeto 2025 vai tomar as coisas muito mais difíceis para pessoas que estão apenas tentando viver suas vidas. Eles passaram muito tempo fingindo que não sabem nada sobre isso", disse Tim Walz. "Mas eu fui treinador de futebol por muito tempo e acreditem em mim. Se alguém se dedica a montar uma estratégia, vai usar."
O governador do Colorado Jared Polis subiu ao palco uma cópia do documento de 920 páginas, leu alguns pontos e declarou: "Esses caras do Projeto 2025, Donald Trump e (o candidato a vice) J.D. Vance, não são apenas bizarros", disse usando o termo "weird", que os democratas tentam colar na chapa republicana. "Eles são perigosos. Mas não vamos retroceder".