Após o sucesso da Ucrânia em uma contraofensiva para recuperar parte dos territórios sob comando das forças russas, a Rússia alertou os Estados Unidos que o fornecimento de mísseis de longo alcance a Kiev cruzaria uma "linha vermelha" e poderia tornar o país uma parte direta do conflito. Os americanos já enviaram dezenas de sistema de lançadores de mísseis, que foram essenciais para o avanço ucraniano nas últimas semanas, mas ainda não há informações sobre envios de mísseis de fabricação americana.
O aviso aos EUA foi dado nesta quinta-feira, 15, pela porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova. "Se Washington decidir fornecer mísseis de longo alcance para Kiev, estará cruzando uma linha vermelha e se tornará uma parte direta do conflito", disse durante coletiva de imprensa. O mesmo aviso já havia sido feito pelo vice-chanceler Sergei Riabkov no início do mês à televisão estatal.
Até o momento, as autoridades americanas se abstiveram de fornecer à Ucrânia mísseis de longo alcance, temendo que o país poderia utilizar para atingir alvos dentro do território russo. Por definição, um míssil de longo alcance é aquele que pode atingir um alvo a mais de 5.000 km de distância, também chamados de mísseis balísticos intercontinentais.
O que o país tem feito é fornecer os poderosos lançadores de foguetes Himars, com capacidade de disparar mísseis em alvos a até 80 km de distância. Mas não há informações de que Washington tenha fornecido os mísseis que poderiam ser utilizados junto ao sistema, o que permitiria atingir alvos a até 300 km de distância - ainda considerado de menor alcance.
Esses sistemas, juntamente com outros armamentos e ajudas militares fornecidas pelos EUA e demais países ocidentais têm sido fundamentais para a resistência ucraniana em uma guerra que já se arrasta por quase sete meses contra um país que é uma potência militar e nuclear. Foi graças a eles que Kiev conseguiu lançar uma série de contraofensivas que retomou parte dos territórios sob comando russo na guerra, incluindo a estratégica cidade de Kharkiv.
A operação, lançada com ajuda das Inteligências dos EUA e Reino Unido, contou com duas ofensivas, uma no sul - esperada há meses desde que a Rússia conquistou a região e o Donbas - e outra no nordeste, em Kharkiv, que foi uma surpresa e forçou o recuo das tropas russas, anunciado inclusive na televisão estatal da Rússia. Após o sucesso, a Ucrânia voltou a fazer apelos por mais armas pesadas, com envios mais rápidos - especialmente à Alemanha que ainda não entregou o que prometeu.
Mas o envio de mísseis com capacidade de atingir o território russo é algo que preocupa as autoridades ocidentais que temem ser tragadas para o conflito. Segundo o artigo 5 do tratado da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), se um país membro for alvo de qualquer ataque, todos os demais devem vir a seu socorro. Na prática, se Moscou interpretar um ataque de mísseis americanos como ato dos EUA e retaliar, todos os demais 30 membros seriam obrigados a entrar na guerra.
Os EUA afirmam que receberam garantias de que a Ucrânia não vai atacar territórios russos, mas um ataque ucraniano a uma base militar russa na Crimeia despertou preocupação. Depois de negar a autoria, Kiev assumiu ter cometido a série de explosões em um território que originalmente pertence à Ucrânia, mas foi anexado pela Rússia em 2014, que o vê como seu território desde então.
Exército russo anunciou que enviou reforços à região ucraniana de Kharkiv, em resposta a um aparentemente bem-sucedido avanço das forças de Kiev na fronteira
Com o sucesso da operação, a Ucrânia - que temia ser esquecida pelo Ocidente conforme a guerra se prolongasse - renovou seus pedidos por mais armas e cobrou o chanceler alemão, Olaf Scholz, para entregar os tanques Leopard que prometeu. Nesta quinta, 15, porém, o país avisou que ainda não pretende entregar os tanques no futuro próximo.
Veículos blindados serão entregues muito em breve a Kiev, mas não os tanques reivindicados, anunciou a ministra da Defesa alemã. "É encorajador ver os sucessos que a Ucrânia alcançou nos últimos dias, especialmente graças às armas alemãs", disse Christine Lambrecht a repórteres. A ministra anunciou o envio de dois novos lançadores múltiplos de foguetes Mars-II, além de 200 foguetes. A Ucrânia também receberá 50 veículos de transporte Dingo.
Retaliação russa
À medida que os militares ucranianos avançam com sua ofensiva, os russos respondem com ataques a infraestruturas vitais da Ucrânia, colocando, inclusive, a cidade natal do presidente Volodmir Zelenski em risco de inundação.
A cidade de Krivoi Rog, no centro da Ucrânia, ficou em risco de inundação após um bombardeio russo danificar infraestruturas hidráulicas e provoca a cheia do Rio Inhulets, informou na quarta-feira, 14, a presidência ucraniana.
Na manhã desta quinta, porém, as águas começaram a baixar, trazendo alívio para uma cidade de mais de meio milhão de pessoas. Autoridades disseram que a catástrofe foi evitada por pouco. O míssil de cruzeiro disparado pela Rússia danificou a barragem, mas não deixou um grande buraco. Autoridades disseram que as inundações diminuíram. Muitas pessoas que haviam fugido de suas casas estavam retornando.
A barragem em Krivoi Rog "não tinha valor militar algum", disse Zelenski após o ataque, chamando os russos de "canalhas" e "fracos". O ataque à barragem poderia ter sido um desastre para os civis na cidade, mas provavelmente também serviu a um propósito militar, disseram autoridades ucranianas.
"O ataque com mísseis à barragem de Krivoi Rog foi uma tentativa de parar a ofensiva ucraniana em Kherson, inundando o rio Inhulets e destruindo os pontões ucranianos", disse Oleksi Arestovych, assessor do presidente ucraniano.
Os militares ucranianos estão construindo às pressas pontes flutuantes leves para atravessar o rio Inhulets. Alguns estrategistas militares e oficiais ucranianos acreditavam que os russos tinham como alvo a barragem para causar uma inundação e varrer as pontes ucranianas.
A ofensiva em curso no sul está concentrada em terras controladas pela Rússia a oeste do Rio Dnieper, que corta a Ucrânia de norte a sul. Ao contrário do ataque surpresa no nordeste na semana passada, a Ucrânia comunicou pesadamente sua ofensiva no sul com semanas de antecedência, atacando linhas de abastecimento russas e travessias de rios críticos em uma tentativa de prender soldados russos na margem oeste do rio.
Autoridades em Krivoi Rog ainda estavam avaliando a extensão total dos danos à barragem nesta quinta. A estrutura de 200 metros de comprimento retém quase 300 milhões de toneladas de água em um reservatório aberto. Foi criado nos tempos soviéticos para abastecer as empresas de mineração e metalurgia desta área fortemente industrializada.
A barragem não foi a única atacada nos últimos dias. Esta semana, os russos explodiram usinas de energia em Kharkiv, cortando a energia para grandes áreas da segunda maior cidade da Ucrânia. E da noite para o dia, as autoridades ucranianas relataram mais ataques à infraestrutura nas regiões de Zaporizhzhia e Dnieper.
Líder europeia visita Kiev
A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, viajou nesta quinta à Ucrânia para se encontrar com Volodmir Zelenski, ao mesmo tempo que o presidente russo, Vladimir Putin, se reúne com seu homólogo chinês, Xi Jinping no Usbequistão. Em Kiev, Von der Leyen prometeu apoiar a Ucrânia até quando for necessário.
"Nunca seremos capazes de igualar o sacrifício que os ucranianos estão fazendo, mas o que podemos dizer é que eles terão seus amigos europeus ao seu lado pelo tempo que for necessário", disse em entrevista coletiva ao lado de Zelenski.
"A todos os estados membros: é absolutamente vital e necessário apoiar a Ucrânia com o equipamento militar que eles precisam para se defender. Eles provaram que são capazes de fazer isso se estiverem bem equipados", disse ela. "Esta é a recomendação geral para todos os estados membros."
Von der Leyen disse que, embora seja sua terceira visita à Ucrânia desde que a Rússia invadiu o país em fevereiro, esta é diferente. "Muitas coisas mudaram. A Ucrânia agora é candidata à União Europeia", escreveu nas redes sociais.
Os países europeus aprovaram em junho o status de país candidato à UE da Ucrânia, que desde o início da invasão russa em 24 de fevereiro intensificou os esforços para aderir ao bloco e à Otan. Hoje, a líder europeia disse que "o processo de ascensão do país está bem encaminhado". (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)