A Polícia Federal vê 'fartos indícios' de que o governador do Tocantins Wanderlei Barbosa (Republicanos) tinha "pleno conhecimento" - desde a época em que era vice de seu antecessor, Mauro Carlesse -, do "esquema sistemático" de desvio de recursos públicos com 'cestas básicas de papel'. Segundo a PF, Wanderlei teria dado continuidade ao suposto conluio quando assumiu o Palácio Araguaia. Os contratos investigados na Operação Fames-19 somam R$ 38 milhões. O inquérito da PF indica prejuízo de pelo menos R$ 1,85 milhão aos cofres públicos.
O governador nega ligação com as fraudes investigadas pela PF.
Os detalhes da investigação que levaram à abertura da Fames-19 nesta quarta, 21, constam da decisão do ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça, que deu aval para as diligências. O governador e sua família são o alvo principal da ofensiva.
Também foram vasculhados endereços de empresários que teriam ligação com o esquema sob investigação. A PF apreendeu quase R$ 100 mil em espécie durante as buscas, parte do dinheiro na residência e no gabinete do governador.
A PF visa os celulares dos investigados, que podem conter diálogos do governador e outros investigados. Essa possibilidade foi destacada por Campbell ao dar seu aval para a Operação Fames-19, que compreendeu buscas em endereços do governador, de sua família e de empresários.
Ao requerer a fase ostensiva da investigação, a PF dividiu o esquema em quatro núcleos, o primeiro deles rotulado 'político', formado por Wanderlei e outros agentes públicos do primeiro escalão do Araguaia. Também integram o núcleo 'político', segundo a PF, outros investigados que "colaboraram ativamente para a estruturação do esquema", como os filhos do governador.
Essa ala do esquema, de acordo com o inquérito, contava com o "apoio determinante" de agentes da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas) e de outros setores da gestão estadual. São citados o ex-secretário do Trabalho José Messias Alves de Araújo, o ex-secretário executivo da pasta Tiago da Silva Costa, o ex diretor de Administração e Finanças Nelsifran Sousa Lins, o ex controlador-geral do Estado, Senivan Almeida de Arruda, e a mulher do deputado Cleiton Cardoso, Liel Bezerra Cardoso, lotada na Secretaria Executiva de Governo.
A PF também inclui no grupo "deputados estaduais que destinaram recursos financeiros de emendas parlamentares para a compra de cestas básicas, muito possivelmente, em troca do recebimento de vantagens indevidas". Os nomes desses deputados não foram especificados na representação da Operação Fames-19.
Outro núcleo apontado pela PF seria composto de servidores públicos que operacionalizavam o esquema, direcionando licitações e depois atestando falsamente o recebimento das cestas básicas.
A investigação aponta também o envolvimento de um núcleo de empresários que "simulavam um cenário de ampla concorrência" para depois desviar recursos com a entrega fictícia de cestas básicas que, em grande parte, "somente tiveram existência formal".Os empresários, diz a PF, criavam pessoas jurídicas de fachada, em nome de laranjas, muitos deles beneficiários do auxílio emergencial durante a pandemia.
Os investigadores listaram cinco conjuntos de empresas controladas não por seus sócios, mas por operadores sob suspeita. Veja a seguir o que a PF diz sobre os principais alvos da ofensiva:
- Wanderlei Barbosa: "há indícios" de que o governador "concorreu para o desvio de grandes somas em dinheiro por meio do fornecimento de cestas básicas de existência meramente formal". A PF destaca que ele recebeu R$ 5 mil de um empresário contratado pela Secretaria do Trabalho e cita agentes ao redor do governador "diretamente envolvidos no esquema delitivo".
- Karynne Campos: mulher do governador. A PF diz que ela movimentou "grandes somas em dinheiro" e vê indícios de seu envolvimento "ao menos, nos atos de lavagem que se sucederam aos desvios perpetrados pelo grupo". O inquérito destaca que as contas da primeira-dama do Tocantins podem ter sido utilizadas para movimentar recursos do governador. Seu ex-marido, "recebeu vultosos valores" de empresas investigadas e fez saques que somaram R$ 665.015,63
- Leo Barbosa: deputado estadual, filho de Wanderlei e Karynne. Segundo a PF, ele recebeu R$ 5 mil de um empresário contratado pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social e destinou emendas parlamentares para a aquisição de cestas básicas. A PF identificou transferências entre ele e um outro empresário investigado durante o período de contratação para o fornecimento de cestas básicas.
- Rérison Antônio Castro Leite: também filho de Wanderlei e diretor do Sebrae. Como o irmão, recebeu, segundo a PF, R$ 5 mil de um empresário contratado pela Secretaria do Trabalho. A investigação também identificou transferências entre ele e um outro empresário investigado durante o período de contratação para o fornecimento de cestas básicas.
COM A PALAVRA, O GOVERNADOR
O Governador Wanderlei Barbosa informa que recebeu com surpresa, porém com tranquilidade, a operação ocorrida nesta manhã, sobretudo porque na época dos fatos era vice-Governador e não era ordenador de nenhuma despesa relacionada ao programa de cestas básicas no período da pandemia.
"Como todos já sabem, a única alusão ao meu nome em toda essa investigação foi a participação num grupo de consórcio informal de R$ 5.000,00 com outras 11 pessoas, no qual uma delas era investigada."
Ressalta ainda que deseja a apuração célere e imparcial dos fatos, pois está confiante na sua inocência e na Justiça, estando sempre a disposição para colaborar com as investigações.
COM A PALAVRA, O GOVERNO DO TOCANTINS
"O Governo do Estado Tocantins informa que colabora com a Polícia Federal no cumprimento dos mandados de busca e apreensão realizados na manhã desta quarta-feira, 21, referente a Operação Fames-19, que investiga supostos desvios na compra de cestas básicas nos anos de 2020 a 2021. É do interesse do Governo do Estado que tais fatos sejam devidamente esclarecidos."