O procurador-geral da República Paulo Gonet pediu ao ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), o arquivamento de uma apuração sobre a "eventual apropriação indevida de recursos públicos" pela Transparência Internacional no bojo de acordos de leniência firmados na esteira da Operação Lava Jato.
Segundo Gonet, "não há elementos mínimos de convicção que justifiquem" a continuidade das investigações. O procurador diz ainda que a Corte máxima não tem competência para atuar no caso, vez que nenhum envolvido tem foro por prerrogativa de função.
Em nota, a Transparência Internacional classificou a decisão de Gonet como "importante" e indicou que é alvo de "campanhas difamatórias" e "assédio legal". (Leia o posicionamento ao final da reportagem).
A apuração foi aberta em fevereiro, em razão da indicação de que a ONG teria sido designada como responsável por administrar a aplicação de R$ 2,3 bilhões em investimentos sociais previstos no acordo de leniência da J&F no âmbito da Lava Jato. À época, a Transparência Internacional negou ter recebido ou gerenciado valores do acordo.
O parecer foi levado ao gabinete de Toffoli às 18h desta terça-feira, 15. Com a promoção de arquivamento apresentada por Gonet, é de praxe que o ministro do STF arquive a apuração aberta após um pedido do deputado federal Rui Falcão (PT).
Segundo Gonet, o parlamentar não sinalizou os acordos nos quais teria ocorrido a suposta "apropriação de capital" pela Transparência Internacional, nem sinalizou atos da força-tarefa da Lava Jato com eventual "escopo de desvio de recursos nacionais" para a organização.
Para o PGR, o pedido de Falcão não tem "sustentáculo probatório" (uma base sólida de provas) e não é suficiente para que o caso seja "indevidamente" apresentado para o STF. Gonet também questionou o direcionamento de relatoria, vez que a petição foi encaminhada ao gabinete do ministro Dias Toffoli em razão de suposta conexão com o processo em que foram anuladas as provas da leniência da Odebrecht.
Gonet também ressaltou que um pedido de investigação sobre a atuação de integrantes do Ministério Público tem de ser avaliada pelo PGR, considerando que eles em a prerrogativa de serem investigados pelo próprio órgão.
De acordo com o chefe do Ministério Público Federal, o órgão abriu uma série de sindicâncias para investigar os pontos levantados por Falcão e os procedimentos "convergiram para juízos terminativos ou negativos de responsabilidade, sem expressão" - ou seja, não foram encontradas provas que viabilizassem uma sanção administrativa ou até mesmo uma investigação criminal.
Com a palavra, a Transparência Brasil
Desde 2018, a Transparência Internacional é alvo de campanhas difamatórias no Brasil, baseadas principalmente em fake news de que a TI receberia ou administraria recursos de multas de corrupção no país. A desinformação é fomentada por ações e declarações caluniosas de autoridades públicas de alto escalão, grandes empresários que confessaram esquemas de macrocorrupção e seus advogados, além de redes de blogs partidários e milícias digitais. A partir de 2021, os ataques evoluíram para o assédio legal, envolvendo a entidade e sua equipe em múltiplos procedimentos judiciais e administrativos, em instâncias e órgãos diversos. Os procedimentos foram frequentemente marcados por heterodoxias e ilegalidades, como interrogatórios policiais abusivos, supressão de instâncias, negativa de acesso e omissão de documentos, desconhecimento de pareceres técnicos, vazamentos seletivos e ameaças.
"Os ataques à Transparência Internacional no Brasil, como em outras partes do mundo, são resultado de nossas ações expondo a corrupção e comprovam a relevância do nosso trabalho confrontando interesses poderosos. Mas isso jamais pode ser normalizado e tolerado. A liberdade e a segurança de ativistas e outros profissionais que atuam em nome do interesse público, como jornalistas investigativos, são elementos fundamentais de uma democracia", afirma François Valérian, presidente da Transparência Internacional.
A decisão do Procurador-Geral da República é extremamente importante, mas ainda é preciso ir além para fazer cessar os processos difamatórios e o assédio judicial contra a TI no país, que são apenas um exemplo dos ataques que tentam, sistematicamente, intimidar e calar ativistas e jornalistas brasileiros.
É fundamental, portanto, que o Brasil priorize o debate sobre a defesa do espaço cívico e mecanismos legais de proteção ao assédio judicial.
A Transparência Internacional vem atuando em diversas partes do mundo contra o fenômeno crescente do assédio judicial. No ano passado, a organização alcançou uma vitória expressiva com a aprovação, pelo Parlamento Europeu, de uma lei inédita contra o assédio judicial a entidades e indivíduos atuando em matérias de interesse público, como a luta contra a corrupção, a defesa dos direitos humanos e da democracia. A "Lei Daphne" foi batizada em homenagem à jornalista maltesa Daphne Caruana Galizia, que respondia a mais de cinquenta processos judiciais quando foi assassinada em 2017. A nova legislação europeia introduz diversas salvaguardas para combater o que se convencionou chamar de SLAPP, a sigla em inglês para litígio estratégico contra a participação popular (Strategic Lawsuit Against Public Participation).
No Brasil, a TI se aliou à Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) para promover uma campanha pela aprovação de uma legislação brasileira anti-SLAPP. Em julho deste ano, as duas entidades, junto com o diretor da Fundação Daphne Caruana Galizia e filho da jornalista assassinada, Mattew Galizia, estiveram em reunião para tratar do assunto com o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco. No encontro, o presidente se comprometeu a priorizar o debate e aprovação de uma lei contra o assédio judicial a ativistas e jornalistas no Brasil.
"Os ataques constantes jamais conseguiram calar a Transparência Internacional nos mais de cem países onde lutamos contra a corrupção. Não será diferente no Brasil. Ao contrário, reforçamos nosso compromisso com a causa anticorrupção pelo que ela fundamentalmente significa: uma luta por direitos", conclui o diretor-executivo da TI Brasil, Bruno Brandão.