Grandes bancos redescobriram os consórcios e estão turbinando o mercado dessa espécie de "vaquinha" organizada, uma invenção brasileira que completa 60 anos e é usada hoje para comprar de tudo. Os grupos vão de produtos, como imóveis, veículos, tratores e drones, a serviços como cirurgia plástica. Com isso, as vendas do primeiro semestre tiveram o melhor desempenho em dez anos.
Entre janeiro e junho, foram comercializadas 1,85 milhão de cotas, alta de 12,1% ante 2021, aponta a Associação Brasileira das Administradoras de Consórcios (Abac).
O aumento expressivo, segundo Edna Maria Honorato, presidente do conselho da entidade, é resultado dos altos juros do financiamento - concorrente do consórcio -, do avanço da educação financeira e do fato de vários bancos terem entrando nesse mercado de forma mais assertiva.
Os cinco grandes bancos do País - Bradesco, Itaú Unibanco, Santander, Caixa e Banco do Brasil - têm demonstrado maior apetite pelo consórcio, com campanhas mostrando os benefícios, patrocinando eventos, fazendo sorteios, passando a atuar em novos segmentos e alongando prazos.
"Antes, o jeito que os bancos vendiam consórcio era muito goela abaixo", lembra Pablo Alencar, diretor da corretora Valor Capital. O cliente ia fazer uma outra operação e acabava levando um consórcio.
Quando os bancos começaram a perder receita com serviços por causa das fintechs e do Pix, eles buscaram compensações, diz Alencar. E o consórcio foi um dos caminhos.
Ele pondera que os "bancões" já estavam muito bem posicionados no setor, porém viram que o consórcio era subutilizado. Isso ocorre especialmente num momento em que a taxa básica de juros está no maior nível dos últimos anos (13,75% ano).
Além disso, o brasileiro endividado ou inadimplente tem dificuldade de obter financiamento. "É a tempestade perfeita para o consórcio."
Líder do setor e há 19 anos no mercado, o Bradesco pela primeira vez sorteia um crédito de R$ 200 mil entre os que compraram cotas. "Intensificamos a mídia mais até pelo momento da Selic elevada e para apresentar o consórcio como uma solução", diz o diretor da área, Henrique Fernandes. O banco cresceu 15% as vendas em volume no semestre.
O Santander expandiu em 37% as vendas em valor no primeiro semestre e superou a média do mercado, de 15,7%. A superintendente do segmento no banco, Claudia Sampaio, diz que está "pisando no acelerador." O banco investiu no canal digital e vai vender planos em concessionárias.
O consórcio ganhou tanta relevância para o Itaú Unibanco que o banco acaba de estrear campanha publicitária na TV aberta e nas redes sociais para esclarecer dúvidas.
Apesar do grande apetite dos bancos pelos consórcios, administradoras independentes têm avançado no setor, de olho no apetite do brasileiro por bens de maior valor agregado. O consórcio Magalu, por exemplo, encerrou 2021 com crescimento 51% nas vendas ante 2020. A diretora executiva da área na varejista, Edna Maria Honorato, diz que o segmento que mais cresceu este ano foi o de serviços.
A contadora Léia dos Santos, por exemplo, procurou pela primeira vez um consórcio de serviços para pagar as custas processuais da sua aposentadoria. Para cobrir os honorários, precisava de R$ 8 mil.
Léia conta que recorreu aos bancos, mas, como é freelancer, não conseguiu o empréstimo. A saída foi ingressar num consórcio. Para obter uma carta de crédito de R$ 8 mil, entrou num grupo de 36 meses com prestações de R$ 236. Começou a pagar em novembro. Em julho, deu um lance e obteve carta de crédito. "Acho vantajoso, se não há urgência. E é possível antecipar o saque por meio de lance."
Sem disciplina
Ela diz que não tem disciplina para guardar dinheiro. Léia não é a única que enfrenta esse obstáculo. O brasileiro tem dificuldade de poupar, tanto pela falta de educação financeira quanto pela insuficiência de renda.
E isso explica o sucesso do consórcio. "O Brasil é um dos poucos países do mundo que têm consórcio porque falta educação financeira: as pessoas precisam de um boleto para conseguir guardar dinheiro", diz Pablo Alencar, diretor da corretora Valor Capital.
Atraídos pela facilidade de fazer uma "poupança forçada" que será o passaporte para realizar um sonho de consumo, muitos compram um consórcio sem saber exatamente onde estão pisando e sem comparar as condições do contrato com as de um financiamento.
Na ponta do lápis
Na prática, não é possível afirmar que o consórcio é melhor do que um financiamento ou vice-versa. Tudo depende da análise das variáveis envolvidas no momento da compra do bem ou serviço e dos objetivos de quem o adquire, lembrando que no financiamento o bem é recebido na hora e no consórcio depende da sorte, ou seja, do sorteio ou lance. Mas o importante é conhecer as "pegadinhas" do consórcio para fazer a melhor escolha.
O primeiro ponto é ter em mente que consórcio não é investimento, mas uma compra programada. O argumento central a favor do consórcio em relação ao financiamento é que não há juros. No entanto, além da taxa de administração embutida na prestação, o consorciado tem de pagar um fundo de reserva, usado para cobrir inadimplência, e a correção anual da mensalidade por um índice acordado.
Por isso, quem entra no consórcio tem de estar ciente de que assume um compromisso de pagamento com uma taxa pós-fixada. No caso do financiamento, onde incidem juros, a prestação não varia.
Logo, só a comparação entre a taxa de administração do consórcio com os juros mensais de um financiamento não é suficiente para saber qual é a melhor alternativa (veja comparação acima).
A recomendação é calcular o Custo Efetivo Total, o CET, no jargão financeiro, em ambos os casos. No consórcio, o CET é composto pela taxa de administração, fundo de reserva e a projeção do índice da correção. No financiamento, entram no custo juros e taxa de cadastro. Dependendo dos juros e do índice de inflação para correção, o CET pode variar e afetar diferentemente os custos dos consórcios e dos financiamentos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.