Morto nesta quarta-feira, 30, aos 96 anos, Jiang Zemin não era considerado muito mais do que um burocrata dentro do Partido Comunista Chinês quando foi nomeado pelo então presidente Deng Xiaoping como secretário-geral do partido em 1989. Ex-prefeito de Xangai, Jiang ainda era uma figura à sombra do então poderoso líder chinês, e poucos esperavam que fosse progredir do cargo. Porém, ao deixar o cargo 14 anos depois, o ex-burocrata era considerado um dos maiores líderes chineses da História, sendo a figura de transição que enfrentou desafios geopolíticos e econômicos para conduzir à China ao posto de superpotência.
A trajetória de Jiang no mais alto escalão da política chinesa começou com crise. Três semanas após ser nomeado secretário-geral do Partido Comunista, eclodiram os protestos pró-democracia na Praça Tiananmen - também conhecida como Praça da Paz Celestial - duramente reprimidas pelo governo central.
A participação de Jiang no massacre é motivo de divergência, uma vez que ele ainda era uma figura à sombra de Deng àquela altura. É sabido que ele foi escolhido para substituir o então secretário-geral Zhao Ziyang, demitido por Deng por ser simpático aos manifestantes pró-democracia, a maioria estudantes. Como prefeito de Xangai, ele havia lidado com dissidentes de forma menos sanguinária que Pequim, apesar de ter censurado jornais liberais na cidade.
Embora fosse parte do governo que planejou e executou a repressão aos manifestantes, Jiang acabou ficando marcado na História recente da China pela recuperação da imagem do país nos anos imediatamente seguintes ao massacre. De acordo com o professor Kerry Brown, especialista em política chinesa do King's College London, Jiang foi responsável por a China assumir uma plataforma global e se reabilitar depois de 1989. "Ele será lembrado como alguém que provavelmente fez uma contribuição bastante positiva", disse em entrevista a Associated Press.
O ex-presidente sucedeu Deng Xiaoping em 1993, ocupando o poder quando uma série das medidas propostas pelo ex-líder começaram a ser implantadas ou apresentaram resultados. Seguindo uma vertente econômica pró-mercado, Jiang conseguiu uma aproximação com o Ocidente que teve impactos geopolíticos importantes para o país comunista. A devolução de Hong Kong à China pelo Reino Unido, em 1997, e de Macau por Portugal, em 1999, marcaram o fim do colonialismo europeu para o país asiático. Jiang também recebeu em Pequim líderes mundiais, rompendo com o isolamento do país, entre eles Boris Yeltsin, primeiro presidente da Rússia após a dissolução da União Soviética, e o presidente americano Bill Clinton.
Os sucessos geopolíticos foram retroalimentados pelo boom econômico chinês. O país alcançou um patamar de crescimento inimaginável à época e superou a crise financeira asiática entre 1997 e 1998 e pavimentou o caminho para o país se tornar a 2ª economia do mundo, superando potências como Japão e Alemanha, anos depois. Em 2001, quando já ocupava uma posição de destaque entre as maiores potências econômicas, o país foi aceito na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Repressão
O papel no massacre da Praça da Paz Celestial não é o único momento de repressão associado ao ex-presidente chinês. Enquanto a China se abria para o exterior, o governo de Jiang reprimiu a dissidência interna. Ativistas de direitos humanos, trabalhistas e pró-democracia foram alvo das autoridades, enquanto protestos se espalhavam pelo país em meio aos impactos sociais das mudanças econômicas - milhões de pessoas perderam seus empregos estatais e fazendeiros reclamaram do aumento de impostos e taxas.
Ativistas que tentaram formar um Partido da Democracia da China de oposição, um movimento permitido pela lei chinesa, foram condenados a até 12 anos de prisão por acusações de subversão. "Estabilidade acima de tudo", ordenou Jiang, em uma frase que seus sucessores usaram para justificar controles sociais intensivos.
Outro alvo do governo Jiang foi o movimento religioso-espiritual Falun Gong, criado como um grupo de meditação no início dos anos 1990, e proibido no fim da década. Preocupado com a capacidade do grupo de atrair seguidores, o governo o classificou como uma ameaça, colocando-o na ilegalidade. Centenas de pessoas ligadas ao movimento foram presas. (Com agências internacionais).