O som de fita lacrando caixas e mais caixas de livros é desolador. A cena, também. Na manhã de ontem, 10, a primeira desde que foi decretada a falência da Livraria Cultura, a área dedicada à editora Companhia das Letras, na entrada da loja do Conjunto Nacional, ficou vazia em poucos minutos enquanto clientes e curiosos circulavam pelo local em busca de uma promoção, uma última foto, uma despedida.
"Estou me desmanchando. Isso não podia estar acontecendo. É o Brasil morrendo", desabafou, emocionado, o professor Dario Celebrone, de 73 anos, enquanto olhava ao redor da loja que estava com uma movimentação atípica - nos últimos meses o local estava sempre vazio. Ele leu a notícia da falência na noite desta quinta, 9. Tinha dentista marcado ali perto e aproveitou para dar um pulo na livraria que frequentava desde que se entende por gente. "Não sei se eu devia ter vindo. Estou com um travo no peito gigantesco", finalizou com a voz embargada.
Nascido na China, Chu, psicólogo "com mais de 70 anos" e que vive no Brasil desde a adolescência, foi pego de surpresa. "Ah, vai fechar?", perguntou assustado à repórter. "Que pena, eu gosto muito dessa livraria. Que triste. Absurdo", disse o cliente que ajudou, sem saber, a Cultura a ganhar uma sobrevida - ele aderiu, no ano passado, ao serviço de assinatura de livros criado pela empresa que estava em recuperação judicial desde 2018.
Amarildo Teixeira, de 60 anos, estava sentado numa das cadeiras da rampa central, olhando. Morador de Paraty, ele gostava de ir à Livraria Cultura sempre que vinha a São Paulo - e fez isso na manhã desta sexta. "Eu já sabia que ia fechar, mas entrei aqui e deu uma tristeza. Fico me perguntando o que aconteceu de errado para que um patrimônio gigante como a Cultura acabasse assim."
Terminado o serviço de retirada dos livros da Companhia das Letras, no térreo, por profissionais enviados pela editora, um funcionário da Cultura tratou de começar a distribuir outros livros nas prateleiras. O som das fitas fechando as caixas continuava vindo do segundo andar, onde outros profissionais encaixotavam o acervo da JBC. No corredor ao lado, a Zastras Presentes Educativos também embalava seus produtos. A loja segue aberta até segunda ordem. Era isso o que os funcionários respondiam aos clientes.
REPERCUSSÃO
A Cultura ainda pode tentar reverter a falência - decretada porque ela não cumpriu seu plano de recuperação judicial. Mas o fim da empresa fundada por Eva Herz como uma biblioteca circulante no final da década de 1940 e que chegou como livraria ao Conjunto Nacional em 1969 já é dado como certo pelo mercado editorial, credor de uma boa parte da dívida de R$ 285 milhões.
A Cultura serviu de inspiração para muitas gerações de livrarias, e os profissionais do setor ouvidos pelo Estadão são unânimes em dizer que a empresa perdeu o pé quando tirou o foco do livro, e que sua crise tem a ver com decisões próprias - e não com a situação macroeconômica que afeta o negócio do livro desde 2015 nem com o próprio setor.
"Por mais que pudéssemos prever esse final, a sua materialização nos enche de tristeza. O sentimento é de perda e de encerramento do luto, porque já estávamos enlutados desde o início da recuperação judicial", comenta Gerson Ramos, diretor comercial da Planeta. Ele vê essa situação como uma oportunidade para que o setor olhe para suas práticas e decisões "e aja em favor do fortalecimento da cadeia produtiva para cuidar das livrarias que estão aí agora, ativas e zelosas de suas obrigações e funções, sem artifícios e tratando o livro como coração do negócio".
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.