São Paulo, 04/06/2022 - Após seus candidatos sofrerem várias derrotas no mês passado, Donald Trump concentra suas atenções no mais trumpista dos Estados americanos, o Wyoming. É de lá que sai a mais dissonante voz contra ele dentro do Partido Republicano, a deputada Liz Cheney, que ao enfrentar o ex-presidente bateu recordes de arrecadação.
Na temporada de primárias, a disputa no Wyoming pela única cadeira na Câmara, em agosto, será um recorte importante da rivalidade dentro do partido. De um lado, Cheney, herdeira de uma dinastia. Do outro, cinco oponentes, entre eles, uma candidata que recebeu o apoio oficial do magnata, a advogada Harriet Hageman, que não reconhece a vitória de Joe Biden nas eleições de 2020.
A disputa acontece em um lugar onde, há dois anos, Trump venceu Biden por 43 pontos porcentuais, sua maior vantagem em qualquer Estado americano. Foi para lá que ele viajou, na semana passada, para um evento de arrecadação de fundos para Hageman. "Liz Cheney é a América por último", disse Trump, fazendo trocadilho com seu lema "America First" (América primeiro, em inglês).
O Partido Republicano no Estado também tem o presidente mais extremista do país, Frank Eathorne. Ele integra a milícia de extrema direita Oath Keepers com um destacado papel na invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021.
Vingança
Mais do que apoiar sua rival, Trump faz campanha contra Cheney. Desde que dez republicanos votaram a favor do seu segundo processo de impeachment, o ex-presidente tem se dedicado a se vingar deles, direcionando apoio a seus desafetos.
Três deles se aposentaram e desistiram de enfrentá-lo para buscar a reeleição em novembro. "Eles estão todos assustados de enfrentar Trump", afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo o cientista político da Western Carolina University Christopher Cooper.
Mas é na filha do ex-vice-presidente Dick Cheney que Trump e seus aliados se concentram para expurgar da legenda seus últimos críticos. Cheney era a terceira republicana mais importante antes de um grupo pró-Trump rebaixá-la e afastá-la da cúpula.
Ser rebaixada dentro do próprio partido seria um problema para a campanha de qualquer candidato, mas não para Cheney. A perseguição de Trump teve um efeito colateral e a deputada bateu recorde de arrecadação de uma campanha para a Câmara no partido.
Segundo a ABC News, a congressista levantou US$ 3 milhões nos primeiros três meses do ano. A quantia representa US$ 1 milhão a mais do que o arrecadado pela deputada Elise Stefanik, de Nova York, que substituiu Cheney no partido.
Disputa
Cheney acumula em caixa quase US$ 7 milhões faltando cinco meses para as eleições. Com uma população de apenas 580 mil, segundo o professor de ciências políticas da Universidade do Wyoming James King, seria impossível qualquer candidato levantar essa quantia sem doações de residentes de outros Estados.
Ele lembra que Hageman também recebeu uma doação expressiva: US$ 1,3 milhão para o mesmo período. O próprio Trump doou meio milhão. "Dessa forma, ambas aparecem como símbolos das facções dentro do Partido Republicano", afirmou King ao jornal O Estado de S. Paulo.
Para os analistas, as doações a Cheney são resultado de sua batalha contra Trump. Entre os nomes republicanos que saíram em defesa de Cheney estão o do ex-presidente George W. Bush, de quem Dick Cheney foi vice, e de dois ex-pré-candidatos à presidência, Mitt Romney e Paul Ryan.
Depois de votar pelo impeachment, Cheney passou a integrar a comissão que investiga o envolvimento do ex-presidente no ataque ao Congresso. A comissão é composta por sete democratas e dois republicanos. Trump disse ao Washington Post no mês passado que ela é sua algoz na comissão. "Ela é pior do que qualquer democrata", disse.
Cheney representa Washington desde 2017 e, desde a primeira vitória política de seu pai, há 44 anos, a família nunca perdeu uma eleição no Estado. Agora, porém, sua reeleição está em risco. Pesquisa encomendada pelo Comitê Central Republicano de Wyoming aponta que Hageman venceria as prévias com 59% dos votos, enquanto Cheney teria 26%.
Mesmo assim, ela tem sido uma crítica voraz não apenas de Trump, a quem já chamou de perigo à democracia, mas do partido.
Em trechos antecipados de uma entrevista que ela concedeu ao programa CBS Sunday Morning, que vai ao ar no domingo, Cheney disse que há um culto de personalidade em torno de Trump no partido.
Cooper não vê a deputada como um nome viável para as eleições de 2024, mas é inegável como ela se projetou graças ao embate contra Trump.
"Estamos a quase 8 mil km de distância e falando sobre ela", brinca o analista. "As chances de Liz se reeleger são baixas, mas ela está exercendo um poder muito maior. Talvez para ela ter algum papel nacional, se ela quiser." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.