O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu nesta segunda-feira (15) que a Corte de Contas apure possíveis irregularidades na concessão de quarentenas pela Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência da República aos ex-comandantes da Marinha, o Almirante Almir Garnier Santos; e do Exército, o general Marco Antônio Freire Gomes, além do ex-diretor do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Garigham Amarante Pinto.
Todos os três ocuparam postos de comando durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Ao sair no fim de 2022, consultaram a CEP sobre a possibilidade de ir trabalhar na iniciativa privada e foram submetidos à quarentena de seis meses, período no qual mantiveram os salários que tinham enquanto estavam nos cargos públicos. No entanto, as empresas e entidades que teriam feito os convites contestam a oferta de emprego, como revelou o Estadão. A representação ao TCU foi feita pelo procurador junto ao TCU Lucas Rocha Furtado.
Na representação, Furtado cita a reportagem. "O teor da matéria jornalística acima reproduzida se reveste de gravidade, demandando, em meu julgamento, a pronta atuação do Tribunal, o qual, quando do exame das condutas praticadas pelos gestores da coisa pública, é competente para examinar o modo pelo qual são geridos os recursos públicos", escreve ele.
Segundo o procurador, a reportagem traz "indícios contundentes de que houve a concessão de quarentena remunerada a ex-autoridades com base em falsas propostas de trabalho, evidenciando crime de falsidade ideológica, que teria ensejado enriquecimento ilícito dos beneficiados".
Agora, o tema será analisado pela área técnica do Tribunal de Contas da União - apesar do nome, o TCU não faz parte do Poder Judiciário, sendo um órgão de assessoria do Congresso Nacional. Caso constate irregularidades, o TCU pode aplicar multas e outras sanções administrativas aos envolvidos. Na mesma representação, o Lucas Rocha Furtado também pede que a Corte apure outra possível irregularidade apontada em reportagem anterior do Estadão: a dispensa indevida da quarentena de autoridades do governo Bolsonaro.
Graças à quarentena, Almir Garnier Santos recebeu R$ 107.084,88 brutos, como civil. Procurada, a Marinha confirmou o pagamento do benefício. Ele já ganha R$ 35.967,57 mensais como militar da reserva. Freire Gomes recebeu um pagamento de R$ 58.690,42 brutos, como civil, em junho passado. O benefício se juntou ao salário de R$ 37.792,02 que ele recebe como general da reserva.
Almir Garnier Santos foi acusado pelo delator Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, de ter impulsionado uma tentativa de golpe de Estado contra o resultado da eleição presidencial de 2022, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) derrotou Jair Bolsonaro. Ao consultar a CEP, Garnier Santos disse ter recebido uma proposta formal para trabalhar como consultor no Sindicato Nacional das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Simde).
Segundo o ex-comandante da Marinha, o sindicato lhe enviou uma carta consultando-o sobre sua disponibilidade para atuar em atividades remuneradas e não remuneradas. No suposto convite apresentado à Comissão, o Simde chega a elogiar o "notório conhecimento" de Garnier sobre assuntos afetos à defesa.
No entanto, questionado pelo Estadão, o sindicato informou que "não houve contratação para o quadro de pessoal nem para prestação de serviço, especificamente pelo Simde, desde 2022 até o momento. A propósito, não há planos de contratação no futuro próximo". O Simde é um sindicato patronal que reúne entre seus filiados mais de 170 indústrias da base industrial de defesa.
Na sua consulta à CEP, em março passado, o general Freire Gomes informou que pretendia trabalhar como consultor de empresas que vendem para as Forças e integrar o Conselho de Administração da Associação Brasileira de Blindagem (Abrablin), de quem diz ter recebido uma proposta formal. Procurada, a Abrablin negou taxativamente a oferta: "Marco Antônio Freire Gomes não faz parte do quadro da associação, bem como não houve qualquer tipo de convite ou sondagem para isso."
Situação semelhante se deu com o ex-diretor do FNDE, Garigham Amarante: ele consultou a CEP em dezembro de 2022, pouco antes de deixar o cargo no FNDE. Ao sair do cargo, Amarante disse pretender trabalhar justamente para uma fabricante de ônibus, a Agrale, como "consultor sobre financiamento estudantil". O processo também traz uma proposta formal de trabalho, inclusive com o CNPJ da empresa.
No entanto, quando procurada pela reportagem, a companhia negou ter feito qualquer proposta. "A direção da Agrale S/A não tem ciência desse assunto. Pode estar havendo algum engano", disse a empresa por meio da assessoria de imprensa.