A Polícia Civil do Rio prendeu na manhã desta quarta-feira, 10, quatro pessoas acusadas de aplicar um golpe de mais de R$ 720 milhões contra uma idosa de 82 anos que mora em Copacabana, na zona sul do Rio. Entre os envolvidos está uma filha dela. Além dos presos, outras duas pessoas estão foragidas. Todos irão responder por associação criminosa, estelionato, roubo, extorsão e cárcere privado.
A idosa é viúva de um grande colecionador e negociante de artes, sendo que a filha presa é acusada de subtrair 16 peças de artistas consagrados. Entre elas, há quadros de Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti. Somente três dos quadros são avaliados em mais de R$ 300 milhões. Esses três já haviam sido negociados e foram recuperados em uma galeria de arte de São Paulo.
Os mandados de busca e apreensão foram expedidos para 14 locais, mas foi um apartamento em Ipanema que acabou se demonstrando como o principal ponto para os policiais. No local foram encontrados três dos acusados - incluindo a filha - e 11 obras de arte.
As peças estavam escondidas numa cama de casal, entre o colchão e o estrado de madeira. "Todas elas estavam embaladas, com plástico bolha, papel manteiga, como se já estivessem prontas para uma venda, ou pelo menos protegidas", disse o perito Nilton Thaumaturgo, do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, que acompanhou a apreensão. "A única obra que estava também com plástico bolha e papel manteiga, porém rasgado e aparecendo, era justamente o Sol Poente, a princípio a obra mais cara."
Na operação, batizada de Sol Poente, foram presos Jacqueline Stanescos, Rosa Stanesco Nicolau, Gabriel Nicolau Traslavinã e a filha da idosa, cujo nome não foi divulgado pela polícia para proteger a vítima. "A gente não quer correr o risco de revitimização, de a idosa vir a ser alvo de outros grupos criminosos", explicou o delegado Gilberto Ribeiro, titular da Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa de Terceira Idade, que comandou as investigações.
Além deles, Diana Rosa Aparecida Stanesco Vuletic e Slavko Vuletic estão sendo procurados. Um sétimo envolvido, Ronaldo Ianov, morreu durante o curso da investigação.
Golpe começou a ser aplicado em 2020
O golpe começou a ser aplicado em janeiro de 2020, quando a idosa saía de uma agência bancária em Copacabana e foi abordada por uma das envolvidas, que se apresentou como vidente. Ela disse que sua filha estaria doente e que morreria em breve. Para reforçar o golpe, ela levou a idosa a outra vidente, que reiterou a "previsão".
Por ter um lado místico, e pelo fato de ter uma filha que enfrenta problemas psicológicos desde a adolescência, a idosa foi convencida - inclusive pela filha - a realizar pagamentos para "tratamento espiritual". "A filha disse para a mãe que 'tinha que pagar o que fosse' para não sofrer daquele mal", narrou o delegado. Em menos de três semanas, foram realizadas oito transferências bancárias que ultrapassaram R$ 5 milhões.
Segundo a polícia, dias após o início do falso tratamento, a filha começou a isolar a mãe de outras pessoas e dispensou funcionários que prestavam serviços domésticos a ela. A idosa desconfiou das atitudes e suspendeu as transferências. A partir daí, ela passou a ser agredida e ameaçada.
O cárcere privado durou cerca de 15 meses, entre janeiro de 2020 e abril do ano passado. A idosa, contudo, só denunciou o caso à polícia no início deste ano. "Ela estava amedrontada e com aquele sentimento de mãe, de ter que denunciar a própria filha", disse Ribeiro.
Peças passarão por perícia
As peças recuperadas agora passarão por uma perícia minuciosa antes de serem devolvidas à proprietária - o que poderá levar meses. A galeria paulista que chegou a adquirir os quadros, por ora, não é investigada. À polícia, o proprietário afirmou que não desconfiou do negócio por conhecer a família e pelos quadros terem sido entregues a ele pela própria filha da idosa. Ele disse ainda que, além daquelas peças, chegou a vender outras duas obras para o Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, informação que a polícia ainda tenta confirmar.
Além da subtração das obras de arte, a filha e os demais envolvidos também são suspeitos de roubar joias, avaliadas em R$ 6 milhões, e desviar dinheiro da vítima através de transferências bancárias - o valor chegaria a R$ 9 milhões.
O Estadão tenta contato com a defesa dos acusados, mas ainda não obteve retorno.