O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta sexta-feira, 8, recursos contra a decisão que liberou o pagamento do piso da enfermagem. São sete ações apresentadas pelo Senado, Advocacia-Geral da União (AGU), Confederação Nacional da Saúde (CNSaúde), entre outras entidades. O julgamento é realizado no plenário virtual que vai até 18 de dezembro.
No julgamento do mérito, encerrado em 30 de junho, a Corte confirmou, por 8 a 2, a liminar do relator, Luís Roberto Barroso, que estabeleceu critérios para a execução do piso. No setor público, os Estados e municípios deverão pagar o salário na medida dos repasses federais. Em maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu crédito de R$ 7,3 bilhões para viabilizar o pagamento, e o Ministério da Saúde começou a pagar o piso em agosto.
No setor privado, foi estabelecida a exigência de negociação sindical coletiva antes do pagamento. A decisão estabeleceu que, se não houvesse acordo em 60 dias, o piso deveria ser aplicado conforme a lei.
A CNSaúde sustenta que não foi formada maioria de seis votos em relação ao setor privado, apenas para o setor público. Como foram registradas três correntes de votos distintas, o STF proclamou um "voto médio". Duas correntes entenderam que a negociação coletiva deve ser um pré-requisito para evitar demissões, mas divergiram sobre a extensão do acordo. Uma terceira via, aberta pelo ministro Edson Fachin e seguida pela ministra Rosa Weber, defendeu o pagamento integral e imediato a toda a categoria.
Para a entidade, como dois ministros defenderam que não fosse realizada qualquer negociação coletiva, seus votos não poderiam ser contabilizados no "voto médio". "Só caberia se falar em voto médio no âmbito de incidente de referendo de cautelar caso houvesse coincidência de fundamentos, mas divergência na extensão que se propõe para a liminar (a maior ou a menor). Não é, contudo e como se viu, o cenário que se está diante", diz a CNSaúde.
Esse ponto também foi questionado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. O recurso apresentado pelo Senado diz que a decisão do Supremo "apresenta inúmeras contradições, omissões e obscuridades que, uma vez sanadas, levarão à sua modificação, determinando a aplicação plena e imediata da Lei".
Voto do relator
Barroso, que é relator da ação, votou para acolher apenas três questões apresentadas nos recursos. O ministro entendeu que a decisão deve ser reformada para reduzir de 44h para 40h a carga horária que servirá como parâmetro para o pagamento do valor integral do piso. "Com efeito, a jornada de trabalho de 44 horas semanais não só não é habitualmente adotada em relação à categoria da enfermagem como sequer é recomendada pelas organizações internacionais", afirmou o ministro em seu voto. Ele também atendeu a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) para estender esse parâmetro aos profissionais do setor público.
A pedido da CNSaúde, o ministro votou para esclarecer que o piso corresponde à remuneração composta pela soma dos vencimentos básicos com as gratificações pagas em caráter permanente.
Sobre a falta de quórum para a definição sobre o setor privado, Barroso disse que os pedidos não merecem acolhimento. "A primeira posição foi no sentido de que o piso salarial deve ser implementado, após a tentativa de negociação coletiva; a segunda, na linha de que o piso deve ser implementado desde logo; e a terceira, na ideia de que deve ser tentada a negociação coletiva e, em sendo frustrada, instalado o dissídio coletivo. Diante do empate entre a primeira e a terceira posição, a primeira prevaleceu, por ser a intermediária, diante da aplicação da técnica do voto médio", esclareceu.
Divergência
O ministro Dias Toffoli propôs um acolhimento mais amplo aos recursos. Ele deu razão a um pedido da CNSaúde para determinar a instauração obrigatória de dissídio coletivo (abertura de processo na Justiça do Trabalho), caso as partes não cheguem em acordo na negociação coletiva. "O afastamento da referida obscuridade, assim, evitaria que 'simulacros' de negociações sejam usados com a finalidade única de viabilizar a implementação dos pisos nacionais sem a prévia tentativa de ajuste entre as partes", argumentou a entidade.
Toffoli também propôs que as negociações sobre a aplicação do piso ocorram de forma regionalizada - na mesma linha do seu voto no julgamento do mérito, em junho, quando ficou vencido. "Essa regionalização não é somente legítima, mas também necessária, notadamente no que tange à situação dos autos. As diferentes unidades federativas apresentam realidades bastantes díspares quanto às médias salariais dos empregados do setor de enfermagem, sendo também diversas a estrutura, a dimensão e a solidez da rede de saúde privada em cada UF", afirmou o ministro.
Até o momento, ele foi seguido nessa posição pelo ministro Alexandre de Moraes. Para ele, a imposição de piso nacional causa interferência desproporcional na "liberdade econômica das entidades prestadoras de serviços de saúde, na medida em que interfere em seu planejamento empresarial, com a majoração significativa de custos de operação".