A Suprema Corte dos Estados Unidos anulou nesta sexta-feira, 14, a norma que proibia os bump stocks, dispositivos que aumentam a capacidade de disparo de fuzis, equiparando-os a metralhadoras automáticas. A proibição havia sido implementada durante o governo Donald Trump depois do massacre de Las Vegas, o mais letal da história moderna americana.
A decisão por um placar de seis votos a três reverte uma das poucas medidas para conter a violência armada no país e reflete as divisões ideológicas da Suprema Corte americana, de maioria conservadora. No parecer, o juiz Clarence Thomas escreveu que a Agência de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (ATF da sigla em inglês) excedeu os seus poderes ao proibir o dispositivo.
Os bump stocks aumentam a capacidade de disparo dos fuzis semiautomáticos para até 800 tiros por minuto, comparável às metralhadoras, que são proibidas para uso de civis nos Estados Unidos por uma lei de 1986. Foi nessa regra que o governo se baseou, em 2018, para proibir o dispositivo, usado no ataque a tiros a um festival de música country que matou 60 pessoas e deixou mais de 500 feridos.
"Consideramos que um fuzil semiautomático equipado com um bump stock não é uma 'metralhadora' porque não pode disparar mais de um tiro 'por uma única função do gatilho'", escreveu Thomas, referindo-se à definição para metralhadora que consta na lei de 1986.
O juiz focou em aspectos técnicos da lei e do dispositivo - incluindo diagramas do seu funcionamento - para justificar a decisão. "Com ou sem bump stock, o atirador deve soltar e reiniciar o gatilho entre cada tiro", argumentou.
O massacre de Las Vegas "demonstrou que um fuzil semiautomático equipado com um bump stock pode ter o mesmo efeito letal que uma metralhadora e, portanto, reforçou os argumentos a favor de uma revisão desta lei", reconheceu o conservador Samuel Alito. "Mas um acontecimento que destaca a necessidade de modificar a lei não altera por si só o significado da lei", acrescentou, sugerindo que o Congresso deveria agir.
A juíza Sonia Sotomayor, da minoria liberal, apresentou sua discordância acompanhada pelas juízas Elena Kagan e Ketanji Brown Jackson, também da ala progressista do tribunal.
Ela criticou os conservadores por não aceitarem a definição comum de metralhadora e alertou que a decisão terá consequências mortais ao dificultar os esforços do governo para impedir que atiradores, como o de Las Vegas, tenham acesso aos bump stocks. "A maioria coloca metralhadoras de volta nas mãos de civis", disse ela.
Poder letal
O poder letal do dispositivo ficou evidente em outubro de 2017, quando Stephen Paddock, 64 anos, abriu fogo no festival de música country que ocorria em um hotel em Las Vegas. Durante cerca de 11 minutos, ele disparou mais de mil cartuchos de munição no que continua sendo o ataque mais mortal da história moderna dos EUA. Em seu arsenal, havia uma dúzia de fuzis AR-15 equipados com bump stocks.
"A decisão é, na verdade, apenas outra forma de convidar as pessoas para outro tiroteio em massa", disse Danette Meyers, amiga e porta-voz da família de Christiana Duarte, vítima do massacre em Las Vegas.
Após a tragédia de Las Vegas e do ataque de Parkland na Flórida, que deixou 17 mortos em uma escola, em fevereiro de 2018, o governo Donald Trump se comprometeu a proibir os bump stocks. Em dezembro, a agência responsável pelas armas de fogo passou a considerar o dispositivo equivalente à metralhadoras e ordenou a quem possuísse que os destruísse ou entregasse às autoridades em um prazo de 90 dias.
Enquanto tenta voltar à Casa Branca, Donald Trump pareceu minimizar a ação do seu próprio governo, quando disse a representantes da Associação Nacional de Rifles (NRA da sigla em inglês) que nada aconteceu em relação às armas enquanto esteve na presidência apesar da grande pressão. Na ocasião, ele disse ao grupo se for eleito novamente, "ninguém colocará um dedo nas suas armas de fogo".
Decisão criticada por democratas
Nesta sexta, a equipe de campanha à reeleição do presidente Joe Biden, que defende mais restrições para armas, criticou a decisão do tribunal, que acusou de priorizar o lobby das armas em detrimento da segurança.
"As armas de guerra não têm lugar nas ruas dos Estados Unidos, mas os juízes da Suprema Corte de Trump decidiram que o lobby das armas é mais importante do que a segurança das nossas crianças e comunidades", disse o porta-voz da campanha, Michael Tyler, em nota.
A mesma Suprema Corte de maioria conservadora, em 2022, ampliou o direito de carregar armas em público nos EUA ao derrubar a lei do Estado de Nova York que estabelecia limites para o porte.
Para as próximas semanas, é esperado que o tribunal arbitre sobre a tentativa do governo Joe Biden de proibir o acesso a armas para pessoas sob ordens de restrição por violência doméstica. A medida foi declarada inconstitucional pela Justiça com base na Segunda Emenda da Constituição, que garante o direito de manter e portar armas nos EUA. A Casa Branca recorreu na Suprema Corte. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)