O Tribunal de Justiça de Alagoas vai avaliar, na terça-feira, 21, se deve enviar ao Supremo Tribunal Federal um processo ligado à falência da Laginha Agroindustrial S/A, usina que pertencia ao empresário João Lyra, conhecido como o ex-deputado mais rico do Brasil - morto em 2021 em meio à pandemia. A Corte estadual está refletindo sobre sua própria competência para analisar o processo após 13 de seus 17 desembargadores se declararem suspeitos ou impedidos de atuar no caso.
A reportagem do Estadão pediu manifestação dos desembargadores e do Tribunal de Justiça do Estado. O espaço está aberto.
O juiz pode se declarar suspeito, por exemplo, por razões de foro íntimo, sem explicitar seus motivos. Impedido quando já tenha sentenciado ou tomado decisão no curso de processo em primeira instância ou, ainda, se tiver atuado como mandatário de qualquer uma das partes envolvidas.
Advogados ligados ao caso estudam se uma eventual decisão sobre a remessa do caso a Brasília levaria o caso da Laginha a ser o primeiro processo de falência analisado pela Corte máxima. Já há um consenso, no entanto, de que o envio do processo ao STF seria algo 'muito raro'.
Segundo prestação de contas do dia 10 de maio, o processo envolve uma dívida estimada em R$ 2,2 milhões - sendo que R$ 300 milhões já teriam sido quitados, levando a um saldo de R$ 1,8 bi - e mais de 23 mil credores - dos quais 16 mil já foram pagos, com saldo de sete mil.
O questionamento sobre a competência do TJ de Alagoas para julgar recursos ligados à falência da Laginha foi suscitado pelo desembargador Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho, relator. Em sua avaliação, a medida visa assegurar a 'imparcialidade e a segurança jurídica nos julgamentos'.
O despacho foi dado inicialmente no bojo de um recurso impetrado pela União contra a autorização, no processo de falência, à contratação de um escritório de Brasília para auxiliar na regularização do passivo tributário de Laginha - tópico também contestado pelos herdeiros de Lyra. Posteriormente, a decisão de Albuquerque Filho foi reproduzida em outros recursos impetrados na falência da Laginha.
A ponderação do desembargador sobre a manutenção do caso no TJ de Alagoas teve como base um artigo da Constituição que estabelece a competência do STF para analisar 'a ação em que todos os membros da magistratura, sejam direta ou indiretamente interessados, em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados'.
Assim, na sessão da próxima terça, o Pleno da Corte estadual vai discutir o reconhecimento expresso da suspeição ou impedimento de cada um dos desembargadores; a verificação de eventual 'incompetência absoluta' do TJ sobre o caso; e a determinação da remessa dos autos ao STF. No caso, será avaliado se será remetido todo o processo de falência ao STF ou somente os recursos impetrados no processo - tanto por herdeiros, pela União ou por credores.
Ao questionar a competência do TJ de Alagoas para analisar os recursos da Laginha, o desembargador Albuquerque Filho fez um retrospecto das ocasiões em que seus pares se disseram suspeitos para julgarem o caso.
Primeiro, o processo estava sob relatoria da desembargadora Elisabeth Carvalho Nascimento. Ela declarou que não poderia analisar os autos, o que levou o caso ao juiz convocado Hélio Pinheiro Pinto, também declarado suspeito.
O caso aportou então, após as redistribuições, na 2ª Câmara Cível do TJ, sob relatoria de Albuquerque Filho. No entanto, o magistrado indicou ter enfrentado 'dificuldades' nos sorteios de desembargadores aptos a compor o quorum de julgamento dos recursos.
Ele chegou a citar dois casos específicos de impedimento e suspeição: o do desembargador Márcio Roberto Tenório de Albuquerque, ex-procurador de Justiça que atuou em processos envolvendo a falência; e do desembargador Klever Rêgo Loureiro, que moveu queixa-crime contra 28 advogados que atuam no processo da Laginha.
No caso de Rêgo Loureiro, a queixa-crime foi impetrada depois de o Conselho Nacional de Justiça arquivar uma reclamação disciplinar lá aberta para apurar suposta parcialidade do magistrado no processo da Laginha - em benefício da família de João Lyra.
O magistrado suscitou a questão como 'forma de garantir a observância dos princípios constitucionais que regem a atuação do Poder Judiciário e preservar a higidez e a credibilidade do sistema de justiça, bem como para evitar nulidades futuras, o que é dissonante do princípio da Segurança Jurídica'.
"Trata-se de situação excepcional, que exige a adoção de medidas igualmente excepcionais, a fim de preservar a integridade e a credibilidade do Sistema de Justiça. Com efeito admitir que um processo seja julgado por um tribunal em que a maioria de seus membros está impedida ou suspeita seria uma afronta aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, que tem na imparcialidade, na independência e na competência do Poder Judiciário um de seus pilares fundamentais", ponderou Albuquerque Filho.
Falência
A falência da Laginha foi decretada em 2013, cinco anos após a usina pedir recuperação judicial. Em 2016, foi estabelecido que uma comissão de juízes atuaria no processo, pela extensão extraordinária da causa. Desde então a comissão já foi trocada quatro vezes. Ao todo, oito administradores judiciais atuaram na ação.
COM A PALAVRA, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE ALAGOAS
A reportagem do Estadão pediu manifestação do Tribunal de Justiça de Alagoas e dos desembargadores que se deram por suspeitos ou impedidos no caso da Laginha Agroindustrial S/A e ainda não havia recebido uma resposta até a publicação deste texto. O espaço está aberto.
COM A PALAVRA, A MASSA FALIDA DA LAGINHA AGROINDUSTRIAL
A reportagem do Estadão enviou e-mail para a Massa Falida da Laginha e ainda não havia recebido uma resposta até a publicação deste texto. O espaço está aberto.