Ex-presidente afirmou que cidadãos devem ter armas 'para se defender da existência do mal' e que país deveria mudar abordagem relacionada à saúde mental
O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump defendeu o direito ao armamento nos Estados Unidos nesta sexta-feira, 27, três dias depois do massacre na escola primária de Uvalde, que deixou 19 crianças e 2 professoras mortas. Durante o discurso que fez na convenção da Associação Nacional do Rifle (NRA, em inglês), ele criticou os esforços para aumentar o controle de armas e argumentou que se os EUA podem gastar US$ 40 bilhões na Ucrânia, também podem fortalecer a segurança de escolas.
Trump associou o massacre da terça-feira, 24, à "existência do mal no mundo" e defendeu que isso não é motivo para desarmar cidadãos. "A existência do mal em nosso mundo não é motivo para desarmar os cidadãos que repeitam a lei", disse. "Ao contrário, a existência do mal é uma das melhores razões para armar os cidadãos".
Em vez disso, ele culpou uma "cultura americana" que colocou a saúde mental, a disciplina escolar e um "núcleo familiar tradicional" em declínio. "Nenhuma lei pode curar os efeitos de um lar desfeito", disse.
Sem especificar como, Trump também pediu uma mudança na abordagem relacionada à saúde mental e uma revisão das políticas de segurança nas escolas para que elas tenham "um único ponto de entrada". "Se os Estados Unidos têm US$ 40 bilhões para enviar para a Ucrânia, devemos ser capazes de fazer o que for preciso para manter nossos filhos seguros na nossa casa", declarou o ex-presidente.
Ele também criticou a resposta da polícia em Uvalde, em meio ao debate sobre os erros policiais cometidos na abordagem ao atirador. "Demorou muito", disse o ex-presidente.
Como outros discursos realizados na convenção, Trump acusou os democratas de "politizar" o massacre de Uvalde e disse que as tentativas do partido em aumentar o controle de armas eram "esforços grotescos". "Quando Joe Biden culpou o lobby das armas [pelo massacre], ele estava falando sobre americanos como vocês e sugeriu que os republicanos estavam permitindo que esses tiroteios em escolas aconteçam", discursou.
A convenção começou nesta sexta-feira em Houston, no Texas, distante 520 quilômetros de Uvalde, cidade localizada no mesmo Estado. O evento é organizado pela maior entidade de lobby de armas nos Estados Unidos e foi criticado por acontecer poucos dias após o massacre. Políticos republicanos, como o deputado Dan Crenshaw e o senador John Corny, não compareceram. "Ao contrário de alguns, eu não decepcionei vocês", disse Trump no início do discurso. Em seguida, ele leu o nome das vítimas e pediu um minuto de silêncio.
Centenas de seguidores fiéis esperaram o ex-presidente durante todo o evento. A maioria deles era branco e de meia-idade. "Ele está sempre conosco, sempre nos apoiando, quando muitas pessoas estão indo para outra direção", declarou Bob Legge, um gerente de construção de 52 anos, ao New York Times. "Acho que ele vir aqui, neste momento, é enorme".
Os participantes da convenção também se disseram enojados e abalados com o assassinato de 19 crianças e 2 adultos no Texas, mas não enxergam o ataque como uma consequência da política pró-armas. Para eles, o massacre não é justificativa para aumentar o controle de armas como os democratas propõem - com a expansão das verificações de antecedentes criminais, novas restrições para semiautomáticas e aumento da idade mínima para a compra de armas, de 18 para 21.
Os erros policiais em Uvalde e a ausência aparente de um guarda armado na porta da escola eram presentes nas conversas do centro de convenções onde o evento acontece. Ellen Pentland, membro da NRA de Houston, disse estar "extremamente triste" pelas famílias das vítimas e pediu programas para melhorar a segurança escolar, moderar o conteúdo extremo das mídias sociais e abordar "os terríveis problemas de saúde mental que existem".
Muitos admiradores de Trump que estavam na convenção da NRA esperavam que ele expressasse empatia pelas vítimas do último massacre, mas reiterasse o apoio ao movimento pelos direitos das armas. "Ele sabe que não é culpa da NRA", disse Nyla Cheely, de 64 anos, ao New York Times. Segundo o jornal, ela temeu que Trump pudesse cancelar a participação no evento, como fizeram alguns políticos republicanos. "Mas ele não cancelou. Ele está aqui para nos apoiar. Eu estou realmente feliz", acrescentou.
Ted Cruz defende política armamentista
Antes do discurso de Donald Trump, o senador republicano Ted Cruz defendeu o direito às armas na convenção e disse que "as elites liberais" tentarão capitalizar a tragédia do Texas para destruir a Segunda Emenda da Constituição dos EUA, que dá direito à legítima defesa. "Agora não é hora de ceder ao pânico", declarou.
O senador rejeitou categoricamente o compromisso sobre as reformas do controle de armas, depois de abrir o discurso lamentando a série de ataques a tiros de diversas proporções que ocorreram no Texas nos últimos anos. Assim como parte do público presente na convenção, Ted Cruz argumentou que os incidentes não têm a ver com a facilidade de obter armas no país, e sim com falhas na segurança escolar e na aplicação da lei.
Ted Cruz foi o texano mais proeminente a aparecer no fórum de liderança da NRA. O governador do Estado, Greg Abbott, apareceu em um vídeo pré-gravado, mas desistiu e permaneceu em Uvalde nesta sexta-feira. O outro senador do Estado, John Corny, alegou motivos pessoais e não foi para a convenção.
Ao contrário de Ted Cruz, Cornyn, outro fervoroso defensor do armamento, trabalha com os democratas para redigir alguma resposta bipartidária aos ataques - possivelmente uma expansão limitada das verificações de antecedentes dos compradores de armas.
Protestos anti-armamentista
Cerca de 500 manifestantes protestaram do lado de fora da convenção da NRA nesta sexta-feira, 27. Eles levaram cruzes, cartazes e fotos das vítimas do ataque a tiros na escola infantil em Uvalde. Gritos de "NRA, vá embora!" e "Vergonha. Hoje pode ser a sua criança" foram ouvidos.
Antes do evento, a polícia montou barreiras de metal do outro lado da rua do centro de convenções, onde manifestantes se reuniram.
"Este não é o momento nem o lugar para realizar esta convenção", disse Cesar Espinosa, diretor executivo da FIEL, um grupo de direitos civis com sede em Houston que participou de protestos. "Não devemos apenas ter pensamentos e orações dos legisladores, mas precisamos de ações para lidar com essa crise de saúde pública que está afetando nossas comunidades".
Mais cedo, antes da convenção, o democrata Beto O'Rourke, adversário de Abbott na corrida para governador do Texas em 2022, disse que participaria de um protesto do lado de fora do evento.
O prefeito de Houston, Sylvester Turner, um democrata, disse que a cidade é obrigada a sediar o evento NRA, que está sob contrato há mais de dois anos, mas pediu aos políticos que o ignorem. "Você não pode orar e enviar condolências em um dia e depois sair defendendo armas no dia seguinte. Isso está errado", disse Turner. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)