A 8ª Vara de Fazenda Pública do Estado anulou uma série de etapas da licitação da Prefeitura de São Paulo para adquirir 40 mil imóveis ainda em construção no programa habitacional "Pode Entrar" e determinou a reabertura do prazo para recebimento de propostas. A decisão, que vale para todas as fases do processo a partir de janeiro de 2023, deve atrasar o cronograma de entregas de moradias e prejudica uma das principais bandeiras eleitorais do prefeito Ricardo Nunes (MDB), postulante à reeleição em outubro. A Prefeitura nega irregularidades e diz que tentará reformar a decisão.
O juiz Josué Vilela Pimentel atendeu a manifestação do Ministério Público de São Paulo e considerou que a modificação dos preços mínimos de referência para os imóveis em cada região da cidade, feita cinco dias antes do prazo final de entrega dos envelopes, pode ter ocasionado "diminuição da concorrência e, consequentemente, do universo de licitantes que poderiam ver suas propostas adjudicadas com custos menores para os cofres públicos". O valor é relevante porque influencia no custo de aquisição do imóvel dependendo da sua localização.
A alteração, segundo alegou a Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) na época, ocorreu com base em cálculo sugerido pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) e que considera a mediana do valor do metro quadrado nos bairros que compõem as subprefeituras. Seria um modo de incentivar propostas viáveis em todas as regiões. A Justiça, por outro lado, considerou que essa mudança pode afetar "substancialmente" a formulação das propostas de alienação e, desse modo, o prazo de 49 dias deveria ter sido reiniciado.
Procurada para esclarecer como fica o cronograma do "Pode Entrar" em relação aos imóveis contratados, a Prefeitura de São Paulo encaminhou uma nota afirmando que tomará, através da Procuradoria Geral do Município, "todas as providências cabíveis para a reforma da decisão, demonstrando-se em juízo a regularidade da atuação municipal". A gestão não explica se o prazo será reaberto.
A ação foi movida pelo empresário Cesar Ribeiro Aledo e cita o exemplo do distrito de Raposo Tavares, onde o preço mínimo de referência do metro quadrado era de R$ 4.386 e passou para R$ 5.397 depois da alteração. Uma unidade habitacional de 40 m² que poderia ter custo de aquisição de R$ 175 mil passou ao teto do programa, que é de R$ 210 mil, independentemente da localização do imóvel.
"A diferença de R$ 35 mil, se multiplicada por 1.000 unidades, resultaria em R$ 35 milhões a mais a serem pagos pela prefeitura às construtoras, tornando a modificação do edital extremamente relevante no momento da formulação das propostas, principalmente na questão da possibilidade de inúmeros participantes concorrerem à disputa", declara na petição inicial.
O Ministério Público concordou com a argumentação e defendeu nos autos a anulação da referida fase de licitação, com a reabertura do prazo de envio das propostas. "No caso em tela, houve alteração quanto ao valor mínimo a ser pago, modificando consideravelmente as condições de participação e, notadamente, o valor a ser despendido pelo poder público", mostra o documento assinado pela promotora Claudia Cecilia Fedeli.
Trunfo político
O programa habitacional é essencial para Nunes cumprir a promessa de concluir o mandato com 100 mil novas unidades habitacionais, somando unidades concluídas, em obras ou adquiridas pela prefeitura. O prefeito costuma usar o número para alfinetar o seu principal adversário no pleito, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), que construiu carreira política como líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em São Paulo.
"É muito fácil as pessoas dizerem que defendem a habitação, que defendem não sei o quê, e a entrega, zero. O importante é isso aqui, concretizar o sonho", declarou, por exemplo, o prefeito na cerimônia de entrega de chaves de um empreendimento na Vila Olímpia, em dezembro do ano passado. O compromisso foi agendado poucos dias depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparecer ao lado de Boulos na assinatura do contrato para o início das obras do "Copa do Povo", empreendimento do Minha Casa, Minha Vida no bairro Itaquera.
O orçamento da Sehab este ano é de R$ 3,8 bilhões, alta de 50% em relação aos R$ 2,5 bilhões autorizados em 2023. Esse percentual está acima do crescimento geral das despesas autorizado pela Câmara Municipal de São Paulo, onde Nunes tem ampla maioria, que esteve na ordem de 16%.
O Ministério Público de São Paulo também analisa o caso por meio de inquérito civil aberto em setembro de 2019, a partir de representação movida pela deputada federal Tabata Amaral (PSB), outra pré-candidata à Prefeitura de São Paulo este ano. Os promotores investigam se o procedimento pode ter levado a enriquecimento ilícito e danos ao erário público.
O programa "Pode Entrar" envolve a construção de empreendimentos de moradia por meio de parcerias, a requalificação de imóveis e a aquisição de unidades da iniciativa privada. A administração municipal argumenta que o modelo diminui os custos das obras e o prazo de entrega. O edital em questão trata especificamente da aquisição de imóveis para implantação de novas moradias populares em cinco lotes. O edital recebeu propostas de 104 mil imóveis ao todo.