MANIFESTAÇÕES

Estudantes apostam em protestos como tema de vestibular

Em 2012, na Fuvest, havia questões sobre a participação eleitoral da classe operária e democracia

Da Agência Estado
correiopontocom@rac.com.br
24/06/2013 às 12:00.
Atualizado em 27/04/2022 às 14:56

A estudante do 3.º ano Bia Carvalho, de 16 anos, diz que tem “quase certeza” que as manifestações ocorridas nas cidades brasileiras não ficarão de fora dos vestibulares. “Acho que vai ser o tema da redação de alguma prova”, diz ela, estudante do Colégio Equipe.

A chance de os manifestos serem abordados nas provas é realmente grande, segundo professores ouvidos pela reportagem. Mas, para eles, dificilmente haverá questões pontuais sobre o Movimento Passe Livre, os atos de vandalismo nas principais capitais ou brigas entre nacionalistas e partidos políticos.

“Os principais vestibulares nunca procuram estabelecer questões de momentos pontuais. O que pode acontecer é esses movimentos acabarem servindo como geradores de outras reflexões, aliando outros movimentos sociais que ocorreram pelo país e pelo mundo, como maio de 1968”, diz o professor Giba, diretor do Cursinho da Poli. “A recomendação é que se estude História do Brasil e movimentos estudantis. E seja capaz de fazer associações.”

O professor Edney dos Santos Gualberto, que leciona História no Colégio Albert Sabin, na zona sul de São Paulo, tem uma avaliação parecida. “Venho observando que, nos últimos anos, a prova da Fuvest tem formulado questões que partem de acontecimentos do presente para encontrar elementos do passado, isto é, relaciona momentos históricos que ainda transparecem no nosso presente”, diz ele. “Questões como o movimento anarquista e o marxismo do século 19 são ideias que ainda reverberam hoje e podem ser abordadas.”

Outra vez

De todo modo, com a ampliação de bandeiras dos movimentos pelo País todo, é quase improvável que mobilidade, problemas urbanos, movimentos sociais e mundo digital sejam ignorados pelas provas. Esses tem sido temas recorrentes, por exemplo, na Fuvest e no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

No ano passado, por exemplo, o Enem teve questões sobre movimentos ocorridos em maio de 1968 e a campanha contra a Guerra do Vietnã. Na Fuvest, havia questões sobre a crise econômica na Grécia, tema bem atual, e itens sobre participação eleitoral da classe operária e democracia. Entre as alternativas o texto dizia que “a sociedade será democrática” quando “sua base for a educação sólida do povo, realizada por meio da ampla difusão do conhecimento” ou “a desigualdade econômica for eliminada, criando-se a condição necessária para que o povo seja”. São textos que poderiam estar em cartazes de protesto.

Manifestações viram assunto em salas de aula de SP

A onda de manifestações que tomou o Brasil chegou aos colégios. Além de dominarem a conversa dos jovens, os protestos motivaram uma programação oficial das escolas, que têm promovido atividades para discutir mobilidade, política, movimentos sociais, mobilização digital, partidos políticos, representatividade, ditadura, mídia e até literatura e cinema. Tudo tem sido tema de debates nas salas de aula.

Tentar entender os atos e a importância dos atores envolvidos é a tônica das atividades dentro dos colégios, com a participação de alunos do ensino fundamental e, sobretudo, do médio. Assim como nas ruas, os jovens é que têm tido o papel mais ativo nos debates. Até porque muitos deles participaram de alguns dos atos que começaram com a reivindicação contra o aumento da tarifa de ônibus e depois tiveram uma proliferação de pautas, indignações e causas de protesto.

“Tudo isso rapidamente virou tema na sala, o que fizemos foi organizar esse debate e puxar os links necessários para uma boa reflexão”, diz o professor de História Luis Fernando Massa, do tradicional Colégio Ofélia Fonseca, de Higienópolis, zona oeste de São Paulo. “Cidadania é um grande tema transversal, mas há também conteúdos específicos, que vão de movimentos sociais do século 19 na Europa a revoltas pelo Brasil.” Ditadura militar e também manifestações no Oriente Médio, no que ficou chamado de Primavera Árabe, também tem espaço nas conversas.

O estudante Luis Gerodetti, de 16 anos, acompanhou uma das manifestações - além de participar das discussões nas redes sociais e nas aulas no Ofélia. “Nos encontros, a gente entendeu que a queda no preço da passagem foi um passo. Mas não adianta querer tudo ao mesmo tempo”, disse ele, aos colegas Guilherme, Amanda e Caio, todos de 17 anos. Para eles, que estão no 3.º ano a internet é a fonte mais confiável para se informar sobre os protestos. “As TVs só mudaram o enfoque, apoiando os atos por causa da audiência”, diz Amanda.

A máscara do filme V de Vingança, que apareceu em diversas cenas nos últimos dias, também tem sido vista nos corredores da escola. “É meio que um símbolo de ativismo, nem todos que estão com a máscara vão para vandalizar”, explica o estudante Luca Scuracchio, de 15 anos, dono do adereço.

Mídia

Em um movimento que ganhou proporções nas redes sociais, a análise da mídia ganhou destaque entre os alunos. A comparação de notícias foi uma das principais atividades do Colégio São Judas Tadeu, na Mooca, zona leste. “Estamos pegando os editoriais, textos de colunistas, e fazendo comparações para entender como os meios de comunicação estão abordando as manifestações, tentando ver o que está por trás do que vira notícia”, diz a professora de História Mônica Broti.

Ela explica que, do ponto de vista pedagógico, a abordagem tenta abarcar toda a problemática com um foco histórico, tendo em vista as manifestações que o Brasil já teve. “Fizemos também comparações com fotos da Praça da Sé no movimento das Diretas Já e das passeatas no impeachment do Collor, ampliando o debate.”

Para a estudante do 9° ano Victória Donato Ribeiro, de 13 anos, esse tem sido um momento histórico para a juventude, uma oportunidade de, assim como jovens de outras épocas, deixar sua marca. “Temos conversado muito sobre isso, que os jovens fazem a diferença. Porque a gente acreditou”, diz ela. “Eu tenho gostado bastante. O governo não tem de mudar tudo, o povo tem de decidir. Os políticos não são mais povo, só ligam pra eles mesmos.”

O Colégio Equipe, também em Higienópolis, tem incentivado o protagonismo e a reflexão dos estudantes. A escola montou um painel com várias reportagens com leituras diferentes sobre a manifestação, de modo a incentivar a troca de ideias sobre o que está acontecendo. “A intenção é que todos os alunos, ao longo da semana, alimentem o painel e realizem um debate com convidados”, explica a diretora Luciana Fevorini. Na próxima quinta-feira, integrantes do Movimento Passe Livre vão participar dos debates. Pelo menos dois desses líderes estudaram no Equipe.

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