EDUCAÇÃO

Estudantes da zona rural revelam sonhos

Para chegar até a escola onde estudam, são submetidos diariamente a uma rotina puxada

André Luís Cia
andre.cia@gazetadepiracicaba.com.b
05/05/2013 às 16:18.
Atualizado em 27/04/2022 às 13:45

Camila quer ser médica. Pedro sonha em seguir o caminho do pai na fazenda. Ambos ainda têm dez anos e carregam na simplicidade, nos gestos e no olhar, sonhos que ainda podem mudar com o tempo. Para alcançá-los, sabem que o estudo é importante visando um futuro melhor. Porém, diferente da grande maioria dos estudantes piracicabanos, para chegar até a escola onde estudam, são submetidos diariamente a uma rotina puxada. De suas casas (moram em sítios ou fazendas da zona rural de Piracicaba), até a escola mais próxima, em Anhumas, demoram quase duas horas dentro de um ônibus escolar.

O veículo os pega na “porteira” de suas casas, ponto de encontro de todos os alunos que residem em propriedades rurais. No percurso até a escola, passam por estradas sem acostamento, esburacadas e sem asfalto. No lugar do trânsito intenso e caótico das grandes cidades, encontram pelo caminho uma paisagem diferente: pastos, vacas, cercas, riachos, tratores e porteiras. É esse o cenário vivenciado todas as tardes por Pedro Gomes e Camila Gonçalves. Juntos, eles carregam na bagagem muito mais do que sonhos: uma realidade que mais de 1.5 mil crianças da zona rural vivenciam todos os dias.

Segunda-feira, 29 de abril. 13h30. Os alunos do 5º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Maximiano Fermino Gil, em Anhumas estão concentrados ouvindo as explicações de matemática da professora Mônica Cristina Bella. Subitamente a rotina da aula é quebrada pela reportagem da Gazeta. O intuito: descobrir personagens que moram em localidades rurais e que aceitem dividir suas experiências. Espontaneamente alguns alunos levantam os braços e manifestam interesse em participar. Cabe à professora fazer a seleção. Os escolhidos, desta vez, são Pedro e Camila.

Num dos corredores paralelos à sala de aula, ambos se mostram curiosos sobre os rumos do que será feito com eles. “Vou ficar famoso?”, questiona Pedro ao repórter fotográfico Del Rodrigues. Em seguida, o garoto abre um largo sorriso. Ao seu lado, ainda muito tímida e receosa, Camila se mostra curiosa com as anotações e com o material fotográfico.

A simplicidade deles pode ser vista nos trajes. Diferentemente de muitos estudantes da zona urbana, que se vestem com roupas de grife, tênis importados e mochilas de marca, eles usam roupas simples, calçam chinelos de dedo e usam mochilas surradas. Mas, nem por isso, não sofrem interferência da “cidade”. Apesar de corinthiano, o pequeno Pedro ostenta um corte de cabelo ao “estilo Neymar”, jogador do Santos, famoso pelos estilos diferenciados: moicanos, coloridos ou raspados. Na escola onde estudam, existem 268 alunos atualmente (dos zero aos 12 anos). São 16 professores que se revezam no aprendizado de crianças distribuídas em dois períodos. Em Piracicaba, são nove escolas que atendem, especificamente, estudantes da zona rural, totalizando 1.515 alunos e 97 professores.

Segundo a secretária de Educação de Piracicaba, Angela Correa, o ensino rural na cidade tem a mesma estrutura das escolas urbanas, com professores e funcionários contratados por concurso público e destina-se exclusivamente para crianças até dez anos (Educação Infantil e Ensino Fundamental).O currículo também é o mesmo das escolas urbanas. “Não há diferença de qualidade entre o urbano e rural. A Prefeitura tem investido e feito todos os esforços para garantir a qualidade da educação nessa faixa etária, independentemente da escola estar em uma das duas áreas”.

Raquel Peixoto de Carvalho tem 40 anos e atua como diretora da Emeif Maximiliano Fermino Gil desde 2010. É pedagoga e licenciada em Matemática. Ela conta que trabalhou doze anos na rede estadual e já está há nove na rede municipal de ensino. Depois de passar em um concurso interno da Secretaria Municipal de Educação, teve a opção de escolher entre três áreas, mas optou pela direção de uma Emeif.

“Quando surgiu a oportunidade de ficar numa mesma unidade que conciliasse as duas áreas, Infantil e Fundamental, achei que seria uma oportunidade profissional diferente de tudo o que eu já havia feito, por isso mudei toda minha vida”, relembra. A grande dificuldade, no início, foi a mudança de bairro, já que Raquel teve de abandonar toda estrutura que já tinha montada no Piracicamirim (onde morava) para mudar-se para uma região onde, segundo ela, ainda falta muitos investimentos. “Nós temos o básico do básico. Se queremos algo diferente, temos que ir para outros bairros da cidade”.

Em Anhumas, a única rua asfaltada é a da escola. Não há agências bancárias, a internet é discada (isso quando funciona) e o serviço de celular é precário. No bairro, não há posto policial, a unidade de saúde não funciona 24 horas (o mais próximo é o da Vila Cristina), dentre falta de outros serviços.

“São condições que tive de me adaptar. Por ser uma região afastada do Centro, ficamos praticamente ilhados aqui. Apesar de todas as condições adversas, temos conseguido manter um bom padrão de ensino e a experiência tem sido gratificante”. Raquel diz que uma grande luta da escola seria a chegada da informatização para os alunos, o que possibilitaria um salto na educação deles. “Só temos computadores para os funcionários e isso faz muita falta”.

Rotina 

Dê manhã, eles fazem os deveres escolares e brincam no pouco tempo que sobra antes de irem para a porteira de suas casas (fazendas ou sítios) aguardarem a chegada do ônibus escolar que os levará até a escola municipal de Anhumas. Apesar de terem sonhos diferentes, tanto Pedro quanto Camila se dizem adaptados à vida rural e não sentem falta de morar na “cidade”, ou seja, no Centro de Piracicaba ou em outros bairros mais desenvolvidos e populosos.

Pedro é o típico garoto rural. Com apenas dez anos, monta cavalo como gente grande e auxilia os pais nos trabalhos diários da fazenda Bela Vista. Se diz totalmente apaixonado pelas atividades do campo e quer dar continuidade ao trabalho do pai. “Não tenho vontade de mudar para a cidade. Aqui tenho tudo o que preciso. Quando crescer mais, quero ser tratoreiro e trabalhar na fazenda”.

Ele diz que ajuda o pai em várias funções, como na lida com o gado, com os cavalos e no tratamento com os carneiros e ovelhas, além do conserto de cercas. Nas horas vagas, uma das brincadeiras preferidas é montar em bezerros, algo inimaginável no universo dos garotos da cidade- e também pescar.

Ao contrário de Pedro, que é mais expansivo e falante, Camila é bem mais tímida e delicada. Aplicada nos estudos, diz que sonha em ser médica, mas que nem pensa, por enquanto, em abandonar o sossego da vida rural. Sempre morou em fazendas e sítios. Ela gosta de brincar de bonecas com a irmã mais nova, porém, uma das diversões preferidas é andar a cavalo. Ambos, mesmo morando distantes dos grandes centros, não ficaram imunes a tecnologias da era moderna, como computador e videogame. Enquanto Camila se distrai vendo vídeos e ouvindo músicas na internet, Pedro gosta de jogar videogame.

A saída da rotina acontece apenas uma vez por mês, quando acompanham os pais ao Centro de Piracicaba. Nestes passeios, relatam que aproveitam para comprar roupas e brinquedos, além das compras da casa. Camila e Pedro ressaltaram que não sentem necessidade de terem uma vida urbana. “Eu gosto de viver no sítio, de brincar com as coisas daqui. Quando não estou ajudando o meu pai, me divirto com muitas coisas que as crianças da cidade não têm condições de fazer, como pescar ou montar em bezerros”.

Apoio familiar

Todas as famílias que moram na área rural de Piracicaba desempenham atividades em suas respectivas regiões, mas não são apenas os homens que “pegam no batente”, já que muitas mulheres também participam ativamente dos serviços auxiliando os maridos.

Tanto na família de Pedro quanto na de Camila (os personagens principais desta reportagem), as mães desempenham um papel de liderança no campo e se revezam em duplas jornadas. Além de cuidar dos filhos e de suas casas, também trabalham. Silvana Rodrigues (mãe de Pedro) tem apenas 28 anos e está casada há 13 anos com Erivelton Maciel (30 anos). O casal tem quatro filhos. Além de Pedro, outras três crianças (com 12, oito e cinco anos). Apenas o filho caçula (João Victor) não está estudando. “Faço de tudo um pouco na fazenda. Dirijo o trator, tiro leite e tomo conta da casa da patroa e da minha também”, diz Silvana.

Na família de Camila (foto), os pais Francisco Gonzales, 52 anos, e Vanessa Duarte, 30 anos, vivem juntos há 11 anos e têm ainda outra filha (de sete anos). Vanessa, assim como Silvana, diz que gosta de auxiliar o marido em todas as atividades e que essa foi a vida que pediu a Deus. Ela aproveita o tempo que as crianças permanecem estudando para limpar a casa, preparar as refeições e também se dedicar à fazenda. Eles tiram leite e revendem para uma cooperativa da cidade.

Silvana, Erivelton, Vanessa e Francisco foram unânimes ao afirmar que sonham que os filhos tenham a oportunidade que eles deixaram para trás no passado (vale ressaltar que por opção própria). “O estudo é a maior riqueza que podemos dar para eles. Cobro muito que eles estudem”, revelou Erivelton, que trabalhou a vida toda em serviços rurais e estudou apenas até a quarta série do Ensino Fundamental.

Dos quatro, é possível observar que as mulheres (mães) são as que mais se ressentem por não terem concluído os estudos, porém, elas depositam os sonhos e esperanças nos filhos. “Ah, eu queria muito ter sido professora, mas não deu. Então, desejo que minhas filhas estudem muito. Eu olho os cadernos delas todos os dias”, diz Silvana que gostaria de ter feito magistério, mas não se diz arrependida pela escolha que tomou. “Minha vida é aqui e sou muito feliz”.  

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