Por muitos anos eles viram uma imagem de si próprios que não condizia com o que se sentiam ou desejavam para suas vidas. Lutaram e ainda lutam contra essa realidade. Se no passado a transexualidade era um tabu e um assunto totalmente desconhecido na sociedade, hoje ela é uma realidade mundial, inclusive no Brasil.
Dentre os exemplos mais recentes no País, há o da ex-BBB Ariadna e da modelo Léa T, filha do ex-jogador de futebol Toninho Cerezzo, que já se submeteram a cirurgia para mudar de sexo. Há também os que já fizeram algum tipo de intervenção cirúrgica, como o advogado Márcio Regis Vascon, que vive hoje como um homem, e se casou no início deste ano, e de Danny, que aguarda pela cirurgia.
Caso alguém tenha interesse em se submeter à cirurgia pelo SUS (Sistema Único de Saúde), a pessoa deve ter mais de 21 anos e precisa fazer pelo menos dois anos de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, no qual seja diagnosticada com distúrbio de identidade de gênero. No ambulatório de São Paulo, criado em 2009, e considerado o primeiro do tipo no País a atender exclusivamente travestis e transexuais, estão cadastradas atualmente 1,8 mil pessoas. Desse total, 65% (975) se consideram transexuais — 915 são homens biologicamente que se sentem como mulheres, e 60 mulheres que se sentem como homens. Os outros 35% são travestis que desejam tomar hormônios e mudar a aparência, mas sem operação.
Segundo a diretora técnica do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids de São Paulo, Angela Peres, o tempo de acompanhamento com uma equipe multidisciplinar formado por psicoterapeutas, psiquiatras e endocrinologistas serve para a pessoa ter certeza sobre a cirurgia. Nesse período, alguns desistem, mas também há muitos casos de pacientes que vão para a Tailândia (referência mundial nesse tipo de cirurgia), mudam de sexo e se arrependem porque lá não existe o mesmo acompanhamento feito no Brasil.
Para trocar do sexo masculino para o feminino, em geral, são feitos tratamentos hormonais e uma única cirurgia de quatro horas. Já o inverso exige duas ou mais operações de cerca de três horas. Apesar de o primeiro caso, em que há a desconstrução do pênis e dos testículos para a formação de uma vagina, parecer mais tranquilo, ela pode exigir retoques, além de ter mais problemas anatômicos, riscos de infecção, abertura dos pontos ou necrose (morte do tecido).
Desejo
A piracicabana Danny nasceu Daniel, mas diz que nunca conseguiu aceitar sua sexualidade. Desde muito pequena sabia que era diferente da maioria dos outros garotos, mas por muitas influências familiares e também da sociedade acabou se fechando para o mundo. “Eu não tinha coragem de revelar para ninguém. Sofria sozinha sem ter com que me abrir sobre o que eu sentia.” Tudo começou a mudar aos 22 anos. Ela tomava hormônios femininos por conta própria e colocou próteses mamárias. Há um ano, ela faz terapia no ambulatório de SP onde passa por tratamento com diferentes especialistas. Em 2015, após ter cumprido dois anos ininterruptos de tratamento, poderá, enfim, realizar o grande sonho de sua vida: a cirurgia que a tornará fisicamente uma mulher. “Eu sempre fui mulher. Nunca consegui me ver como homem”.
Danny, antes de ter se assumido mulher, era o único menino de uma família com mais três irmãs. Ela diz que o assunto de sua sexualidade nunca foi comentado abertamente com os famíliares apesar de todos saberem de suas opções e escolhas. “Não posso obrigar ninguém a me aceitar, mas o mínimo que exijo é que as pessoas respeitem minha decisão. Eu sempre lutei e não vou desistir de buscar minha verdadeira identidade.”
Atualmente, Danny trabalha como auxiliar de produção numa multinacional em Piracicaba e diz ser muito respeitada, mas isso também se deve à postura com que sempre se comportou. Depois da cirurgia, ela diz que pretende realizar outro sonho, que é o de casar. Danny garante que não esconderá de seu futuro companheiro seu passado porque se orgulha da história de vida que construiu sozinha.