TENSÃO

Psicolóloga fala sobre choque entre pais e filhos

Psicóloga frisa a valorização do diálogo e que vivemos novos tempos nas relações

José Ricardo Ferreira
ricardo.ferreira@gazetadepiracicaba.com.br
12/05/2013 às 06:00.
Atualizado em 27/04/2022 às 13:56

Pais e filhos. Gerações diferentes e não raras às vezes em conflito. Jovens e adultos pensam diferente, mas é preciso administrar as tensões. Geralmente os pais procuram ser conservadores diante da rebeldia dos filhos. “Você me diz que seus pais não te entendem, mas você não entende seus pais (...)” diz a famosa música do Legião Urbana.

Curioso é que ao passar dos anos, muitos filhos chegam a uma conclusão: meus pais tinham razão em muitas coisas.

A psicóloga e também mãe Andrea Raquel Martins Corrêa, 42, explica que “a partir da adolescência tudo fica mais complicado” nas relações. “Mas é preciso ter claro que há coisas negociáveis e não-negociáveis no dia a dia”, afirma. Gritaria frequente, irritação, choro excessivo da criança, brigas graves entre os irmãos e adolescentes distantes dos pais são sinais que o relacionamento não vai bem, alerta Andrea Corrêa.

Psicóloga e psicoterapeuta, com especialização em psicodrama, Andrea atende famílias, casais e crianças em sua clínica em Piracicaba. É autora de artigos científicos publicados na Revista Brasileira de Psicodrama e também é pesquisadora participante do Grupo de Pesquisa Kairós na Faculdade de Educação da Unicamp.

Quais os conflitos mais comuns entre pais e filhos?

Andrea Raquel Martins Corrêa: São os conflitos que dizem respeito à autoridade dos pais e à ausência de disciplina dos filhos. Muitas mudanças vêm ocorrendo desde a década de 1960 impactando e transformando as relações familiares. Não é mais possível, no atual contexto, que pais e filhos se relacionem numa estrutura hierarquicamente rígida, marcada pelo autoritarismo. Pela primeira vez na história, a geração mais nova sabe mais, tecnicamente falando, do que a geração mais velha. Isso em função das transformações tecnológicas que os adultos sofrem para acompanhar. Mas as crianças não. Elas nasceram na era da tecnologia. Como defende o pesquisador Don Tapscott: ‘são da geração digital. a crescente e irreversível ascenção da geração Net’.

Ser dessa geração mexe com os relacionamentos?

Andrea Corrêa: Pode parecer que não, mas esse é um fato que implica diretamente os relacionamentos entre pais e filhos. Os filhos têm mais poder do que tinham antes. Nós adultos precisamos aprender a conquistar a autoridade que nos é devida enquanto pais. Não basta ter autoridade só porque somos pais, adultos e experientes. Autoridade se constrói nos vínculos familiares. Jamais deveríamos abrir mão disso.

No século passado os conflitos eram os mesmos ou mudaram?

Andrea Corrêa: As mudanças impactantes vêm ocorrendo desde os anos 1960, gerando novas configurações familiares inclusive. Por exemplo, famílias reconstituídas, famílias homoafetivas etc. Talvez no século passado nos preocupássemos mais com a exposição das crianças à TV e hoje nos preocupamos muito com a internet e os jogos eletrônicos. Disciplinar o acesso ao “mundo das telas” exige trabalho extra. Muitos pais, porém, permitem que seus filhos de 10 a 12 anos permaneçam de madrugada no computador. Não me parece que isso seja saudável, nem para eles nem para nós adultos.

Hoje os pais são mais ou menos cuidadosos do que em gerações passadas?

Andrea Corrêa: Difícil responder essa questão. Depende do que chamamos de cuidado. Poderíamos afirmar que as crianças de classe média e alta são super protegidas, principalmente devido à violência. Imagine que há jovens de 17 anos que nunca andaram a pé ou de ônibus. Ao mesmo tempo, pesquisas no mundo inteiro identificam um nível de desamparo maior das crianças e dos adolescentes, por parte dos adultos. Lembremos do filme “Elefante” ( EUA, 2003, Gus Van Sant ) e mais recentemente o também trágico e violento “Precisamos falar sobre o Kevin” (EUA/ReinoUnido, 2011, Lynne Ramsay ). A forma de desamparo mais notificada aponta o número crescente de crianças que ficam sozinhas em casa, em todas as classes sociais e não apenas no Brasil. Nas famílias com maior poder aquisitivo, sempre há uma empregada ou babá, mas isso não vem garantindo os cuidados necessários, principalmente do ponto de vista afetivo. Muitas vezes os pais também não conseguem desempenhar adequadamente a função de afetividade com os filhos, normalmente por terem problemas de relacionamento no casamento ou problemas de saúde mental grave.

A partir de que idade os conflitos se acentuam?

Andrea Corrêa: A partir da adolescência tudo fica mais complicado. Adolescentes e crianças são diferentes. Criança solicita os pais, precisa de aprovação; adolescente quer distância, autonomia plena e busca o reconhecimento de sua existência nos pares, ou seja, seus amigos. Os conflitos com os adolescentes são inevitáveis, fazem parte da fase. Quando não ocorrem, pode sinalizar outros problemas, como por exemplo, a dificuldade de crescer. Alguns pais e muitas mães, sem perceber, tratam os filhos como crianças ainda, embora estes já sejam jovens. Isso pode gerar agressividade ou fobia nos filhos. O adolescente muito agressivo preocupa, mas tanto ele quanto a criança muito “boazinha” também preocupa.

Os pais sabem lidar com esses problemas?

Andrea Corrêa: Bem, ninguém sabe muito, nem tem que saber. Afinal, todos vamos aprendendo a ser pais e educadores. Não há receita para isso. A adolescência é como um segundo parto e traz sentimentos de perda aos pais, que muitas vezes se sentem um tanto “órfãos”, digamos assim, dos próprios filhos.

As drogas (lícitas e ilícitas) são o estopim dos problemas?

Andrea Corrêa: Pode ser ou não. Estão muito acessíveis, inclusive dentro de casa, através das bebidas alcoólicas consumidas socialmente. Este é o modelo que impera, infelizmente.

Quais as dicas para os pais contornarem os problemas?

Andrea Corrêa: Em primeiro lugar, perceber que estamos no século 21. As condições de vida são diferentes de quando nós pais éramos crianças. Hoje é necessário aprender a dizer não aos filhos. O consumismo exagerado nos ensinou a dar tudo o que as crianças pedem e nunca frustrá-las, só que a vida é cheia de frustrações. Devemos impor e conquistar a autoridade de acordo com nossos valores pessoais, nos responsabilizando por ser o principal exemplo dos filhos. E somos! Não adianta sermos incoerentes. Se pensamos que o consumismo não é interessante, por exemplo, precisamos adotar essa prática como um princípio familiar e não comprar tudo o que queremos o tempo todo, sem critério. Devemos ter claro que há coisas negociáveis e não-negociáveis no dia a dia. Tomar banho e escovar os dentes são necessários para ficarmos limpos, faz parte dos princípios da convivência e da higiene. Não há negociação possível, é simplesmente necessário. O tempo da TV e do computador pode ser negociado. Por exemplo: primeiro os compromissos e depois o entretenimento.

É importante aceitar as diferenças?

Andrea Corrêa: A aceitação das diferenças é um aspecto importante da convivência, por isso não adianta ficarmos exigindo que os filhos sejam exatamente como desejamos. Também não é interessante tantas exigências em relação ao rendimento escolar: há pais que exigem notas máximas em todas as disciplinas, o que pode levar a criança a um quadro de depressão. A forma como nos comunicamos com os filhos importa sobremaneira: devemos ser firmes e afetivos ao mesmo tempo, não precisamos ficar gritando e repetindo as mesmas coisas. Isso é possível se tentarmos manter a calma, respirar em momentos de estresse e nos conter, sempre lembrando que nós somos os adultos, não eles. Ao invés de falar muito e alto, podemos falar menos, baixo e tentar manter o que está sendo negociado. Veja bem: condições e não chantagens. Em relação aos adolescentes, é bom recordar a própria adolescência para compreender as necessidades do filho, apesar das diferenças de geração.

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