PIRACICABA

Visita de cães ajuda em tratamento de pacientes em hospital

Projeto inédito em Piracicaba é realizado há três anos no Hospital dos Fornecedores de Cana

André Luís Cia
andre.cia@gazetadepiracicaba.com.br
17/06/2013 às 10:17.
Atualizado em 27/04/2022 às 14:40

Ao ver Beyonce, os olhos de Ivo Filho, de 67 anos, encheram de lágrimas. Foi impossível contê-las diante da visita inesperada. Engana-se, porém, quem pensa que a emoção de Filho foi causada pela chegada repentina da diva da música eletrônica ao seu leito no HFC (Hospital dos Fornecedores de Cana) de Piracicaba.

O sentimento foi despertado pela cadela Beyonce, um dos quatro animais que integram o projeto de cinoterapia (terapia realizada com o auxílio de cães), em Piracicaba. Em média, são atendidos 240 pacientes por mês (de crianças a adultos). O projeto foi implantado no município em 2010.

A cinoterapia nasceu graças ao empenho da gestora de clientes Ana Lúcia Pavão que já trabalhava no hospital e que tinha visto esse programa pela TV, em 1997, e se apaixonado pela ideia. "Desde então, fiquei muito interessada em trazê-lo para Piracicaba. Foi uma luta longa, de 13 anos, até conseguir o alvará para implantá-lo na cidade".

O sonho só começou a se tornar realidade quando Ana Lúcia apresentou a ideia a dois amigos que trabalhavam no Grupo de Apoio à Força Aérea Brasileira (Gafab), José Ariovaldo Sanches (adestrador dos animais) e Marcelo Kraide Soffner (presidente da Gafab), que também tinham esse sonho antigo. Juntos, os três se uniram e ganharam o reforço da supervisora de administração do HFC, Juliana Mazzonetto, que é a atual coordenadora do projeto. Em outubro de 2010, ele saiu definitivamente do papel e ganhou vida nos corredores e quartos do setor de oncologia do hospital.

Estudos comprovam que a atividade assistida por animais (AAA) proporciona a redução da pressão arterial (PA), melhora os estágios depressivos, favorece a socialização e integração do paciente junto à equipe, reduz a dor, além de diminuir o uso da medicação psicotrópica e analgésica, do estresse, favorecimento de estágios de alegria, além da liberação de neurotransmissores e hormônios. A AAA tem sido desenvolvida nos Estados Unidos desde os anos 70.

De acordo com a coordenadora Juliana Mazzonetto, os animais são capazes de despertar diferentes emoções no ser humano. "O toque ou simplesmente a presença de cães nos quartos promovem bem-estar e alegria aos pacientes internados. Percebo que todos os envolvidos, de pacientes a médicos, sentem prazer em acariciá-los. É muito enriquecedor fazer parte deste lindo projeto".

Juliana contou que após a visita dos cães, muitos pacientes mostram melhoras significativas. "Um deles estava paralisado e não mexia um dos braços. A emoção dele foi tão grande ao ver os animais que começou a se mexer".

Segundo o presidente do HFC, José Coral, no início do projeto, muitas pessoas foram contrárias achando que a presença de animais dentro de um ambiente hospitalar não traria nenhum benefício. "Os resultados positivos mostraram exatamente o contrário. É gratificante ver a alegria de todos que se doam a fazê-lo e o bem-estar que isso causa a centenas de pessoas todos os meses".

Emoção

A pedido da Gazeta, o projeto de Cinoterapia foi realizado excepcionalmente na quinta-feira (feriado municipal de Santo Antonio). Os voluntários percorreram as alas infantis e adultas do hospital proporcionando momentos únicos de alegria aos pacientes.

No caso de Ivo Filho, que estava internado desde o início da semana para fazer exames cardiológicos, ele disse ter se emocionado porque sentiu muitas saudades dos dois cachorros que têm em casa. Assim como Beyonce, os seus também têm nome de artista: Ozzy Osbourne e Richard Gere. "Sou apaixonado por eles e estou com muita saudade.

É difícil falar porque eu me emociono. É uma paixão que não tem explicação. A gente apenas sente". Ele afirmou que já tinha visto o projeto pela TV, mas nunca imaginou que pudesse um dia vivenciá-lo. "Tenho certeza que dá resultado, pois acabei de servir de exemplo. Eu mal consigo falar com vocês de tanta alegria".

A dona de casa Laurentina da Cruz Sil foi outra paciente visitada pela equipe. Internada há quase 60 dias e prestes a fazer uma nova cirurgia no fêmur, ela passa todo o tempo na mesma posição (com a perna direita suspensa). Laurentina disse que tem duas cachorras em casa e que também estava com saudades delas. "Sei que quando fui internada uma delas chegou a ficar doente. É impossível não se emocionar com a entrada dos cachorros no quarto. Eles trazem vida ao ambiente".

Três dos quatro cachorros que participam do projeto de cinoterapia são da raça labrador (Sheetara, Lora e Beyonce) e uma da raça yorkshire (Mel). Segundo o veterinário Elienai Luis da Silva, qualquer raça pode participar desde que os animais tenham bom comportamento (um dos principais e fundamentais requisitos). "Não importa o porte. Os labradores são grandes e fortes, enquanto que o yorkshire é um animal de porte pequeno. Os quatro foram treinados e têm tido um desempenho excelente", disse.

Para o diretor clínico do HFC (Hospital dos Fornecedores de Cana), Alex Luchiari, essa troca entre os animais e os pacientes têm sido muito positiva sob diferentes aspectos, o principal deles, a resposta que os doentes têm tido diante do tratamento. "A experiência tem sido enriquecedora, sem contar que algo inédito na história de Piracicaba. É um projeto que tem crescido a cada dia e que veio para ficar".

De acordo com o adestrador dos animais e um dos coordenadores do projeto, José Ariovaldo Sanches, o treinamento dos animais foi realizado durante um ano e meio sem interrupção. Ele frisou que os cães só entram para o projeto depois de passarem por uma análise criteriosa.

"Com isso, não existe nenhum risco de haver qualquer acidente com os pacientes. Os animais foram muito bem adestrados em todos os tipos de testes possíveis".

A experiência pôde ser comprovada na prática durante a realização do projeto na última quinta-feira. As crianças da ala infantil foram as primeiras a recebê-las. As que não estavam deitadas em leitos puderam interagir com as cachorras sentadas no chão. Era nítida a sensação de felicidade e de surpresa, Para muitos delas, era a primeira experiência desse tipo.

O primeiro quarto visitado foi do pequenino Vinicius Machado, de apenas um ano e dez meses. Internado desde o último dia 5 de junho por causa de uma amigdalite, o garoto estava tomando soro sentado no colo da mãe, Maria Cristina Machado. Ao ver a cadela Beyonce, abriu o sorriso e estendeu um dos bracinhos. O semblante de felicidade em seu rosto era contagiante. Em pouco mais de dez minutos no quarto, ele interagiu e brincou com o animal sem que houvesse nenhum risco para sua vida, pelo contrário.

A surpresa aconteceu quando a reportagem saiu do quarto e foi surpreendida pelo choro intenso de Vinícius. Então, sua mãe pediu para que a cachorra retornasse porque havia feito muito bem para o filho. .

Outro que se mostrou muito feliz pela visita dos cachorros foi o aposentado Geraldo Tessaro, de 72 anos. Debilitado numa cama devido um tratamento de quimioterapia, ele também deu sinais de contentamento. Mesmo com dificuldades para falar, disse que lembrou dos seus animais que têm no sítio e que estava com vontade de revê-los.

A clínica geral Claudia Flavia Marinho, também foi surpreendida pelos cães. Ela disse que era a segunda vez que os via. Ela acredita que a cinoterapia tem efeitos muito positivos (de adultos a crianças). "Mesmo quem não é muito apegado a animais não tem como ficar imune à presença deles. É algo que foge totalmente da rotina de um hospital".

De acordo com a pediatra Emilene Alves Ferreira Rosa, que tem acompanhado de perto o projeto, quando ele passa pelo setor de pediatria, as crianças têm tido um ótimo retorno em seus tratamentos após a visita dos animais. "Tem casos de pacientes que já estão internados há mais tempo e habituados com aquela rotina diária do hospital. Quando os animais chegam isso é quebrado totalmente. Eles ficam animados e falantes o resto do dia".

Emilene destacou que o projeto tem sido muito gratificante para todos - da equipe médica, passando pelos pacientes e seus familiares, aos voluntários que o executam. "É algo que deu tão certo que espero que continue por muito tempo e se expanda cada vez mais".

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