INTERNACIONAL

A dupla vida dos judeus ultraortodoxos em Israel

Ao ver um grupo de judeus ultraortodoxos vestidos com grandes casacos pretos aproximando-se da calçada, Shmuel se assusta e baixa a cabeça para se esconder

AFP
28/02/2020 às 16:07.
Atualizado em 07/04/2022 às 09:25

Ao ver um grupo de judeus ultraortodoxos vestidos com grandes casacos pretos aproximando-se da calçada, Shmuel se assusta e baixa a cabeça para se esconder. Ortodoxo de dia, Shmuel se transforma em ateu à noite e teme ser reconhecido.

Sem dúvida, ele também é um "temeroso de Deus". Ao menos oficialmente, pois há quase dez anos não acredita na entidade, mas mantém as aparências por medo de ser excluído de sua comunidade, perder o seu trabalho e ser privado de conviver com seus filhos.

"Ninguém do meu círculo social sabe", admite Shmuel (nome fictício), de aproximadamente 30 anos. "Nem minha esposa, nem meus pais, ninguém!".

Essa noite, vai a um bar de Jerusalém, um lugar proibido por sua comunidade, para se encontrar às escondidas com outros judeus ortodoxos que, como ele, perderam a fé, mas que continuam fingindo.

Segundo Yair Hass, diretor da Hillel, uma associação que ajuda as pessoas que querem sair do mundo religioso, em Israel há dezenas de milhares de "anusim", pessoas nessas condições.

O termo "anusim", que literalmente significa os "obrigados", é historicamente utilizado para os judeus que se viram forçados a se converter ao cristianismo durante o período da Inquisição, mas que continuavam praticantes do judaísmo em segredo.

Hoje, a expressão é usada para descrever justamente os ortodoxos que, ao contrário, deixaram de ser praticantes.

Shmuel admite que vive com um medo constante de ser descoberto. Quando ninguém o observa, transgride normas que já não acredita, como comer porco, algo vetado pelas leis judaicas.

"Um dia, comecei a me questionar sobre tudo que já tinham me ensinado e todas essas regras estritas que nos são impostas desde a infância. Para mim, tudo isso já não faz sentido algum", explica Shmuel, que é de uma família do movimento chassídico em Jerusalém.

Junto a ele, em um bar pouco iluminado da cidade, cerca de vinte homens e mulheres conversam, enquanto bebem. O grupo se formou no Facebook com nomes falsos e todos temem que alguém se infiltre e os descubra.

As vestes largas, os cortes de cabelo, as barbas e os cachos os delatam como membros da comunidade ortodoxa que tanto gostariam de deixar.

Viver fingindo todo o tempo é algo extremamente difícil para os "anusim", diz Yair Hass. "É praticamente insuportável".

Avigail, que usa uma elegante peruca ruiva, sabe o sofrimento que é estar nessa vida dupla.

"Teve um momento em que eu quis morrer. Dizia a mim mesma: isso vai ser assim, até o fim da vida?", confessa a mulher.

Cerca de 10% dos nove milhões de israelenses são judeus ultraortodoxos, e cada aspecto de suas vidas é regido por princípios religiosos.

Essa comunidade "te castiga de forma severa caso você se desvie do caminho ou não respeite as regras", ressalta Hass, que menciona casos de crianças "anusim" expulsas da escola pelos rabinos ao saber que seus pais levam uma vida dupla.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Gazeta de Piracicaba© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por