Sobrevivente da linha 444

Atingido por uma facada dentro de ônibus, Alan Pressutto Rossi deixa hospital

Alan fala com exclusividade a Gazeta sobre os momentos de terror daquele dia

Ana Cristina Andrade
10/07/2022 às 10:08.
Atualizado em 10/07/2022 às 10:12
Alan Pressutto Rossi, 28, filho único, tem recebido muito carinho dos pais (Mateus Medeiros/Gazeta de Piracicaba)

Alan Pressutto Rossi, 28, filho único, tem recebido muito carinho dos pais (Mateus Medeiros/Gazeta de Piracicaba)

“Estou bem graças a Deus", disse o jovem Alan Pressutto Rossi, 28, o "Kindin", assim que começou a conversar com a equipe da Gazeta, na manhã da última quarta-feira (6), um dia após receber alta hospitalar. Alan é uma das vítimas sobreviventes ao ataque na linha 444, dia 21 do mês passado em Piracicaba, e a que ficou em estado mais grave.

Foram 14 dias no hospital, sendo 13 na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), e um dia e meio no quarto. Com o braço esquerdo sem movimento, uma vez que o golpe que levou no pescoço foi muito profundo, o jovem demonstra uma garra que impressiona.

"Ele sempre foi guerreiro. Tanto que, aos 11 meses de vida, foi operado do coração, passou por outras enfermidades e, por um milagre, desta vez, sobreviveu. Confesso que cheguei a pensar que ele ia morrer a até pedi para Jesus que me levasse e deixasse meu filho vivo", disse Marlene Aparecida Pressutto Rossi, mãe de Alan.

O jovem, que enquanto fala ainda tem crises de tosse devido ao período em que ficou entubado, contou para a Gazeta como foram as cenas de terror na tarde em que houve o ataque no ônibus.
Para ele era um dia comum, fim de expediente no trabalho, horário de retorno para casa, na Vila Rezende, e já sabia que chegando ao ponto de ônibus da avenida Rui Barbosa, sua mãe iria esperá-lo. É um hábito que ela tem com seu filho único.

Antes de o coletivo deixar a plataforma do Terminal Central de Integração (TCI), o jovem conversava com dois colegas de trabalho e combinava de, qualquer dia desses, fazer um churrasco com eles. 
Deu o horário, o motorista fechou as portas e saiu com destino à avenida Armando de Salles Oliveira. Como de costume, e até para ficar mais fácil de descer na Rui Barbosa, Alan ficou em pé na porta de trás (a de desembarque dos passageiros).

Encostado com o TCI fica o cruzamento com a rua XV de Novembro e o próximo, com cerca de 100 metros de distância, é o da rua Moraes Barros. Foi neste cruzamento, já no semáforo, de acordo com Alan, que os momentos de terror começaram. 

Ele viu cada pessoa ser golpeada e tentou se proteger. "Começou a gritaria, a gente pedindo para o motorista parar e ele respondia que não podia porque, ali, não era ponto. A gente gritava para que ele abrisse a porta, mas não abria. E o cara esfaqueando pessoas", contou.

Quando o coletivo parou, segundo Alan, quatro quadras à frente, no ponto entre as ruas Voluntários de Piracicaba e Regente Feijó, a porta foi aberta e, na tentativa de descer correndo, ele e outro foram encurralados pelo criminoso. 

"A porta já havia sido aberta e meu colega conseguiu se esquivar; a faca acertou a bolsa dele. Eu levei a facada no pescoço, mas, mesmo assim, desci e fiquei na calçada", lembrou.

Adriana Coelho da Silva, 42, e Roseli Ramalho Ferreira, 55, que morreram vítimas dos golpes, segundo ele, estavam na sua frente dentro do coletivo. Esvaindo-se em sangue, Alan relata que ainda conseguiu manter-se acordado até a chegada do socorro que, para ele, resultou numa demora de pelo menos 30 minutos.

No hospital

O jovem ouviu um médico dizer que, com a facada, ele perdeu mais de três litros e meio de sangue e chegou ao hospital com apenas dois litros. Durante a cirurgia, ele sofreu duas paradas cardíacas. Uma durou nove minutos e a outra seis minutos. 

Cinco dias depois de ter sido operado surgiu uma inflamação, no ferimento, e foram drenados 200 ml de secreção. Quando acordou do coma, durante as visitas dos pais, ele só pedia para que a mãe ficasse perto e lhe fizesse carinho.

Alan tem recebido apoio de colegas da torcida organizada Esquadrão, e de outras pessoas anônimas. Ele disse que vai batalhar para que seu braço volte a ter movimento, mesmo porque é canhoto, e que vai tentar, ao menos por alguns instantes, se desligar do que aconteceu.

A mãe pressentiu

Há um ditado popular que diz que "mãe não se engana". Exemplo disso é Marlene Aparecida Pressutto Rossi, 62, mãe de Alan, que no dia do crime pressentiu que algo de errado estava acontecendo com seu filho.

Às 15h10 do dia 21 de junho, bastante angustiada, e inquieta, ela esperava o telefonema dele dizendo que já havia descido do ônibus. "Vi que ele estava online no WhatsApp, o chamei e não respondeu. Eu estava tão agoniada que andava da sala para a cozinha o tempo todo", contou.

O marido, segundo ela, a achou exagerada. "Eu insistia que estava acontecendo alguma coisa, mas meu marido falava que não era nada. Liguei para meu filho que não atendeu”, contou. 

“Sempre vejo o noticiário policial mais tarde, mas, às 16h, pedi para meu marido colocar num programa. Foi aí que vi a notícia na TV, reconheci o ônibus e entrei em pânico", disse.

Para Marlene, seu filho não estava vivo. Ela correu para o hospital querendo vê-lo, a qualquer custo, mas a resposta era que ele estava sendo operado. O desespero dela era tanto, que lhe deram um calmante.

Somente por volta da 0h30, após muita insistência, a deixaram ver Alan. "Saí mais desanimada ainda, porque ele estava muito inchado e cheio de aparelhos. O desespero era tanto que cheguei a pedir para Jesus que me levasse e deixasse meu filho viver. Agora, já pedi perdão".

Marlene é outra guerreira: teve câncer duas vezes e cuida do marido que é acometido pelo Mal de Parkinson. Segundo ela, seu único objetivo agora é ver Alan totalmente recuperado e levando sua vida normalmente. 

Quanto ao agressor de seu filho, a mulher revelou que ainda sente muita revolta. "Confesso que, em algum momento, cheguei a desejar a morte deste homem. Mas, isso está sendo amenizado. Porém, não consigo ainda perdoá-lo".

Instinto e amor  ao próximo

Uma pessoa, a princípio, anônima, que Alan nunca havia visto, fez muita diferença na vida dele antes de o socorro chegar. É a auxiliar de laboratório Maria José Silva, 31, que saía do serviço e ajoelhou-se ao lado de Alan para estancar o sangue que jorrava por entre os dedos das duas mãos.

A Gazeta conseguiu falar com ela com exclusividade. “Não quis falar com a imprensa antes, devido à dor que a mãe dele sentia. Era como se fosse a minha dor e eu quis respeitar”.

Maria contou que ia usar seu jaleco para estancar o sangue de Alan, mas o tecido era muito fino. Foi então que pegou sua blusa de frio. “Ele dizia: moça, pega minha blusa preta na bolsa porque a sua é branca. Eu nem estava preocupada com isso, só queria que ele vivesse”, acrescentou.

Ela disse que Deus lhe deu sabedoria naquele momento, para estancar o sangue. “O Alan reclamava que estava doendo e eu explicava que era necessário segurar com força”, declarou.

A auxiliar disse que, ao seu lado, viu Roseli dando o último suspiro e ficou arrasada de ver tanta gente fazendo vídeos ao invés de tentar fazer algo para ajudar.

“Queria que alguém segurasse a mão dela, mesmo que não fosse adiantar, porque é uma forma de segurança. Eu não tive como fazer isso porque estava ajudando o Alan, mas, infelizmente, algumas pessoas não se importam com o próximo. Ao invés de ajudar se preocupam em fazer vídeo e jogar na internet”.

Maria falou que após o crime não conseguia dormir, nem comer. Essa semana ela visitou Alan e se emocionou com a família dele. “Meu coração só ficou aliviado quando eu soube que ele foi para o quarto. Sinto muito pelos que perderam seus familiares”.

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