PANDEMIA

Aumento da pobreza na pandemia de Covid-19

Crise sanitária eleva número de atendimento no Cras-Piracicaba durante três meses seguidos

José Ricardo Ferreira
ricardo.ferreira@gazetadepiracicaba.com.br
26/10/2020 às 21:35.
Atualizado em 24/03/2022 às 09:18
Muitas áreas urbanas das cidades concentram pobreza: pandemia tende a acentuar os problemas (Mateus Medeiros)

Muitas áreas urbanas das cidades concentram pobreza: pandemia tende a acentuar os problemas (Mateus Medeiros)

Não há dúvidas de que a pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), está gerando pobreza em todo o mundo e o termômetro desse problema são as cidades. Em Piracicaba, desde a decretação da pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), no dia 11 de março, foram registrados picos de atendimento nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras), segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads). Foram três meses de grande procura por apoio social. Em abril, o número de atendimento foi de 6647 contra 4819 no mesmo mês do ano passado, um aumento de 37,9%. Em maio o Cras fez 5368 atendimentos contra 5143 no mesmo mês de 2019 (+4,4%). Em junho saltou de 4298 para 5640 (+31,2%) na comparação anual dos meses. Curiosamente nos meses de março, julho, agosto e setembro ocorreram queda na procura pelo Cras. Março 2019 - 4546 - março 2020 - 4059; julho de 2019 - 4936 - julho 2020 - 4698; agosto 2019 - 5090 - agosto 2020 - 3267; setembro 2019 - 4689 - setembro 2020 - 3505. A secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Fabiane Fischer Gomes Oliveira, demonstra preocupação pois entende que o crescimento da procura pela assistência social certamente tem muito a ver com a pandemia que criou desemprego e queda de renda devido à redução drástica das atividades econômicas. "A pobreza aumentou no país, e também na cidade de Piracicaba, como uma clara resposta às mudanças e dificuldades econômicas que se acentuaram na pandemia. Além dos recursos governamentais, as entidades de terceiro setor, os empresários e até as organizações religiosas com suas pastorais e movimentos vêm assumindo um papel de extrema importância no combate à pobreza e à fome, declarou a secretária. Ela disse ainda que o futuro reserva ainda mais problemas sociais. “Vejo os próximos dois anos com mais dificuldades e entendo que para superar isso toda a sociedade deverá se unir, tendo o protagonismo de cada setor como fundamental para manter seguros os projetos básicos e a subsistência de famílias de baixa renda. Para ajudar, podemos doar alimentos, materiais de higiene e limpeza e até roupas. E prosseguir no estabelecimento de projetos, redigindo, conectando, realizando a nova assistência social", declarou. Até o dia 24 de outubro, mais de 10 mil cestas já haviam sido distribuídas, além de 7500 kits de higiene e mais de 260 toneladas de alimentos haviam sido doadas, segundo informações do Banco de Alimentos do Fundo Social de Solidariedade, parceiro da Smads na campanha "Em tempos de Covid-19, exerça sua solidariedade", que distribui cestas básicas, montadas com doações de pessoas físicas e jurídicas às famílias que procuraram o Cras e solicitaram o benefício. O Cras, e sua extensão volante, o Serviço Equipe Volante, é a porta de entrada para os serviços da assistência. Com ele dá para se ter uma dimensão de procura por assistência social no município, segundo os agentes da secretaria. Durante a pandemia, estes locais realizaram um trabalho excepcional, de gerenciamento e encaminhamento de famílias para o benefício da cesta básica e também de máscaras de proteção, que não são em si a finalidade da secretaria e nem do Sistema Único de Assistência Social, mas ajudam a amenizar os problemas sociais das famílias de baixa renda. O perfil de quem procura o Cras reúne pessoas com renda de zero a um salário mínimo (R$ 1.045): famílias de duas a três pessoas (872), quatro a sete (565), uma pessoa (483) e mais de oito (22). Dentro desses dados, pelo menos 1.942 pessoas foram atendidas em setembro pela Smads. A secretária Fabiane Fischer deixa claro que o trabalho da assistência social não é realizar ações pontuais e de caridade, mas sim ofertar atendimento às famílias em risco e/ou vulnerabilidade social para que tenham acesso ao direito da assistência social, com inserção em serviços socioassistencias e também em outras políticas públicas, sempre no intuito da superação da condição de vulnerabilidade. Para isso, ações que estimulem o protagonismo e autonomia das famílias e comunidades são a tônica do serviço desempenhado pela Smads, segundo explica a secretária. Por isso, no atendimento realizado nos Cras, porta de entrada para os serviços da assistência, são feitos planos de acompanhamento familiar, oficinas e rodas de conversas para fortalecimentos dos vínculos comunitários e familiares. Nessa pandemia, porém, os trabalhos em grupo presenciais com as famílias estão interrompidos. No município são mais de 30 Cras onde o trabalho é desenvolvido de forma direta e também por meio de parceria com Organizações da Sociedade Civil através de chamamento público. A assistência social não se resume aos tempos de pandemia, segundo diz a secretária. O Cras fornece cestas básicas o ano todo, mas em um caráter de eventualidade, quando durante o atendimento à família, detecta-se há necessidade urgente de concessão do benefício, mas não de forma continuada. No começo do ano houve a assinatura de contrato com a empresa Nutricesta para fornecimento parcelado de 6.360 cestas básicas para 2020, com investimento realizado pela Prefeitura de R$ 614.402,10. "Além de terem como destino o benefício eventual, as cestas deste contrato também contemplam os bolsistas do programa emergencial Frente de Trabalho, que busca proporcionar ocupação e renda emergenciais para cidadãos integrantes da população desempregada residente em Piracicaba", explicou a secretária. Ela disse ainda que os bolsistas, que recebem um salário mínimo por mês, podem participar do programa por no máximo nove meses, tendo uma jornada semanal de 30 horas. "São famílias prioritárias para inserção no programa as que tenham identificado trabalho infantil; casos de violência ou negligência, crianças ou adolescentes fora da escola, situação de acolhimento, cumprimento de medida socioeducativa, situação de abuso ou exploração sexual, situação de rua e vulnerabilidade social e egresso do sistema prisional", explicou Fabiane Fischer. Apesar deste programa de frente de trabalho, a Smads não auxilia no encaminhamento para o mercado, segundo explica a titular da pasta. Esta incumbência é da Secretaria Municipal do Trabalho e Renda (Semtre). “Não somos responsáveis para encaminhamentos desta natureza", disse a secretária. Os profissionais que atuam na cidade são assistentes sociais, psicólogos, educadores sociais, mas também há terapeutas ocupacionais, motoristas, além dos auxiliares administrativos. O orçamento da secretaria em 2019 foi de R$ 44.746,300,00 e a deste ano é de R$ 46.118.000,00, o que representa 2,5% do Orçamento Geral da Prefeitura. Acesso "O acesso à assistência é a quem precisar, portanto o critério de renda não é o único a ser considerado para o acesso. Quando você fala de Cadastro Único, que integra a política de assistência social, mas não é o todo, aí sim, podemos pensar no caráter de renda, porque estão aptos a serem cadastradas pessoas que tenham até meio salário mínimo de renda per capta ou até três salários mínimos de renda familiar. O Cadastro Único é a porta de entrada para as famílias acessarem diversas políticas públicas. É um instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, permitindo que o governo conheça melhor a realidade socioeconômica dessa população", explicou a secretária. Benefícios como o Programa Bolsa Família, a Tarifa Social de Energia Elétrica, o Programa Minha Casa Minha Vida, a Bolsa Verde, em nível federal, Ação Jovem, em nível estadual e tarifa social da água, em nível municipal, são programas que exigem cadastro único para serem concedidos, segundo informa a Smads. Durante a pandemia, a procura pelo Cadastro Único foi grande, a maioria para esclarecer dúvidas sobre o auxílio emergencial, apesar de a Central de Cadastro Único não ter nenhuma ingerência na concessão do benefício. A definição de quem recebe ou não o benefício é feita pelo Ministério da Cidadania. Neste período de pandemia, a concessão e mesmo suspensão de benefícios está parada. Por isso novas inscrições para concorrer ao Bolsa Família não estão sendo realizadas porque está tudo suspenso até o final do auxílio, segundo a Smads. Não há um período mínimo para receber um benefício, por exemplo, como Bolsa Família. Se a família cumprir as condicionalidades do programa, que resumindo são a frequência escolar das crianças e o acompanhamento de saúde das crianças e das mulheres, ele continua a ser concedido, a menos que a pessoa supere a condição de necessidade social a receber o benefício. Moradores de rua Em relação à população de rua, a ação foi rápida, segundo a Smads, nesses tempos de pandemia. Primeiro ampliou-se o atendimento da Casa de Passagem, que de um lugar de pernoite, se transformou em casa de pessoas em situação de rua já em meados de março e assim perdurou até início de agosto. Também foi implantado de forma emergencial o Lar das Ruas, para servir de local de confinamento durante a necessidade de isolamento social. Estes espaços se fundiram e hoje são o Vida Nova, um local de acolhimento de população adulta em situação de rua. No período em que funcionou o Lar das Ruas, 160 pessoas, sendo 134 homens e 26 mulheres passaram pelo local. Na Casa de Passagem, 33 pessoas ficaram alojadas no espaço durante a pandemia. “A procura pelos espaços de pernoite e acolhimento não variou de um ano por outro, mantendo a média", explicou a secretária. Casal enfrenta dificuldades Três meses atrás a dona de casa Sueli Maria da Costa Minelli, 65, precisou procurar o Cras. Com o marido desempregado, produtos de primeira necessidade começaram a fazer falta no lar. Como a situação era emergencial, o casal conseguiu uma cesta básica no atendimento. Mais do que isso, disse Sueli, obteve orientação documental para correr atrás de um auxílio-doença que, se conseguir, será importante para enfrentar os problemas de saúde pois ela não tem condições físicas para trabalhar fora de casa. A pandemia de Covid-19 deixou tudo mais difícil para o casal. O marido, Antonio Minelli, 65, é aposentado com R$ 1.300, valor insuficiente para pagar o financiamento de cerca de R$ 800 da casa onde moram, no Jardim Brasília, água, luz, remédios e demais despesas. Ele trabalhava de vigia, mas a crise econômica o levou a perder o emprego. Agora ele não consegue mais se encaixar em alguma ocupação. Com as orientações do Cras, disse ela, ficou mais fácil obter parte dos remédios que precisa na farmácia de alto custo. “Tem remédio que preciso comprar na farmácia. Mas estou com fé que vou conseguir o auxílio. Os documentos estão bem encaminhados e agradeço o Cras. Tenho problemas de saúde. Essa pandemia deixou tudo mais difícil”, lamentou Sueli.

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