INTERNACIONAL

Campanha antivacina chegou a aldeias indígenas antes do imunizante

A primeira vacinada contra a covid-19 no Amazonas, Vanda Witoto, recebeu muitos telefonemas de parentes: "queriam saber se eu tinha virado jacaré", diz

AFP
26/01/2021 às 11:11.
Atualizado em 23/03/2022 às 21:26

A primeira vacinada contra a covid-19 no Amazonas, Vanda Witoto, recebeu muitos telefonemas de parentes: "queriam saber se eu tinha virado jacaré", diz. Nas aldeias indígenas brasileiras, as "fake news" chegaram antes do imunizante.

E "é um fenômeno recente, alavancado por muita notícia falsa de que a vacina causa isso e aquilo, e vindo de várias origens, principalmente setores evangélicos", mas que também "começam em Brasília", explica o dr. Douglas Rodrigues, que trabalha com indígenas na Amazônia há cinco décadas.

O presidente Jair Bolsonaro, que sempre negou a gravidade de uma pandemia que já deixou mais de 217 mil mortos no Brasil, chegou a questionar em dezembro os possíveis efeitos colaterais das vacinas: "Se virar jacaré, é problema seu", declarou.

A frase chegou às aldeias.

Rodrigues nunca viu tanta relutância. "É muito preocupante. A gente fala, explica e consegue reverter na maioria dos casos. Em outros, dá trabalho e atrasa muito [a vacinação]", explicou à AFP.

Beto Marubo, da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, deparou-se com uma atitude "praticamente de negacionismo" em duas aldeias da região que faz fronteira com o Peru.

"Têm aqueles que querem tomar a vacina com pensamento de proteger a si e sua comunidade. Já outros (...) se recusam a tomar a vacina naquela ideia de não ser seguro, reproduzindo aquilo que o presidente disse", afirma João Voia, índio xokleng de Santa Catarina.

"Vamos às nossas aldeias desconstruir isso", diz Vanda Witoto, em Manaus, devastada pela segunda onda da pandemia e pelo colapso do sistema de saúde.

Vanda, cujo nome em sua língua materna é Derequine ("formiga brava"), responde a quem a questiona: "Eu sou uma formiga brava, não um jacaré".

Para contra-atacar as notícias falsas, os indígenas lançaram uma campanha com a hashtag #VacinaParente.

Douglas Rodrigues acredita que a vacinação nas aldeias acabará por ser "um sucesso", até porque experiências anteriores, como as campanhas contra o sarampo, deixaram memórias positivas.

Existem cerca de 900 mil indígenas no Brasil (0,4% da população), de acordo com o censo de 2010.

O governo priorizou no plano de vacinação aqueles que vivem nas aldeias, beneficiados pelo sistema de saúde indígena, em detrimento de cerca de 380 mil instalados em áreas urbanas.

"O governo acredita que os indígenas da cidade são menos indígenas do que os das aldeias", critica Beto Marubo.

Em 11 meses, 932 índios morreram de covid-19, e mais de 46 mil, pertencentes a 161 povos, foram infectados, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), cujos balanços incluem aldeados e não aldeados, indistintamente.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Gazeta de Piracicaba© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por