Após a pandemia do novo coronavírus, muita gente está impossibilitada de promover encontros presenciais marcados em aplicativos como Tinder, por exemplo. Juliana Mezzaroba já usou o método para conhecer pessoas. "Eu acho que esses aplicativos são úteis no sentido que você não precisa sair de casa para conhecer alguém. Ao mesmo tempo, tem um ponto negativo porque você vai encontrar de tudo ali. Diferente da vida real que, se você vai em uma festa, provavelmente vai encontrar alguém que te interessa e tem gostos em comum com você. Nos apps, você encontra pessoas que são atraentes, mas que podem não ter nenhuma afinidade contigo. É meio que uma roleta-russa", avalia.
Charlotte Fox também já usou aplicativos para conhecer pessoas, como Inner Circle e o estrangeiro League. "Principalmente depois da pandemia, as pessoas passaram a se falar mais ativamente, a dividir as dificuldades de estarem sozinhas. Acredito que as fantasias ficaram exacerbadas em face de uma liberdade tolhida de ir e vir. Parece que você deseja mais o que não tem", considera.
Juliana relata que as relações amorosas que ocorrem nos aplicativos podem ser bem superficiais: "Como se só a aparência fosse importante para se relacionar com alguém. Acredito que é por isso que tem alguns aplicativos, além do Tinder, que você consegue falar um pouco mais de você e seus gostos e saber o da outra pessoa". Por outro lado, Charlotte acredita que as relações possam sofrer transformações depois da pandemia. "O que o online está fazendo é com que as pessoas falem mais o que querem, como querem, o que gostam, inclusive no sexo virtual. Tem uma coisa engraçada: a voz passa a ser um fator fundamental, como se a voz fosse o novo cheiro. Outra coisa é que quando você vai para um primeiro date no zoom, não precisa se produzir tanto. De certa forma tem uma liberdade em poder 'cair' com o call a qualquer momento ou simplesmente dizer que você precisa desligar", diz.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman acredita que vivemos em uma 'sociedade líquida', já que as relações, com o passar do tempo, estão ficando cada vez mais superficiais e o contato mais profundo entre os indivíduos é cada vez menor.
Então, seria a pandemia do novo coronavírus a responsável pela inversão dessa tese, fazendo com que as pessoas voltem a se conectar com mais intimidade? Seria o fim do chamado 'contatinho', quando os entusiastas dos aplicativos mantêm duas ou mais relações?
Para a psicóloga Desirée Cassado, a resposta é positiva. "O que eu observo são as pessoas cultivando uma intimidade inédita através dos vídeos e aplicativos. O site match.com, por exemplo, teve um número recorde por ligações de vídeo. Antes da pandemia, elas eram usadas em apenas em 9% e, agora, em 69% das conversas. Isso quer dizer que as pessoas estão dedicando mais tempo em se conhecer, em desenvolver uma intimidade que não é física, mas intelectual. Outras trocas que não têm relação com o corpo. E o interessante é que, quando você desenvolve intimidade intelectual com alguém, não dá tempo de desenvolver essa intimidade com muitas pessoas ao mesmo tempo. Se você está conversando diariamente com uma pessoa e desenvolvendo intimidade, é normal que isso vai afunilando e as pessoas vão conversando com uma ou duas pessoas, no máximo. Então, acho que isso vai dar um 'freio' na possibilidade de ter muitas escolhas. Acho que tem essa chance, agora, se todo mundo vai aproveitar essa chance, é difícil dizer", avalia.
Mesmo sem poder sair de casa, ainda tem muita gente tentando encontrar o amor em aplicativos. E lidar com a frustração de não conseguir é difícil, como ressalta Desiree Casado. "Encontrar o amor sempre foi uma tarefa muito frustrante, por vários motivos. Frustrante porque o outro muitas vezes não corresponde às minhas expectativas. Frustrante porque eu tenho barreiras emocionais em relação a conhecer o outro da forma como ele é. Frustrante porque eu tenho expectativas que nunca se concretizam, porque são 'ultra românticas' e muito descoladas da realidade. Nós mantemos expectativas altíssimas em relação ao outro e ao papel do relacionamento na nossa vida. Talvez seja mais frustrante para as pessoas a impossibilidade de se encontrar e levar o começo de uma relação como levaram a vida toda", afirma.
A psicóloga conta que uma cliente dela marcou, depois de muito conversar com uma pessoa que conheceu no aplicativo, um passeio no parque, os dois de máscara, para se conhecer pessoalmente. Os seres humanos estão buscando criatividade para concretizar os encontros amorosos.
Mas, diante de tantas dificuldades, é possível encontrar o amor em tempos de pandemia? "É super possível encontrar o amor em tempos de pandemia. Acho que as pessoas se conectam muito quando elas estão vulneráveis. A gente imagina que o amor é uma busca por pessoas perfeitas, que mostram seu lado melhor. E hoje a gente está tendo uma oportunidade de estarmos todos vulneráveis, passando pela mesma situação, claro que de formas diferentes, mas é como se todos tivéssemos um assunto em comum. E passando por um momento difícil. Então, tenho a esperança de que as pessoas possam começar conversas falando o quão difícil tem sido esse período de pandemia, que possam se aproximar e construir intimidade a partir das suas vulnerabilidades", conclui.
Diante da necessidade de ajudar os indivíduos a concretizar o amor, a diretora da The School of Life, Jackie de Botton, decidiu criar um happy hour para aproximar as pessoas. "Como converso muito com os alunos sinto que, depois que colocamos as aulas online, no final, as pessoas querem ficar e trocar mais umas com as outras, se conhecer. Um misto de compensar pelo tempo que estão sozinhas, mas também um desejo de troca maior", diz.
Ela também avalia que todos parecem estar mais verdadeiros sobre o que realmente sentem. "É como se a máscara social de todos tivesse caído. Muito por conta disso criamos um happy hour especial para este dia dos namorados. Ele vai acontecer no Zoom (aplicativo de chamada de vídeo) com direito a receita de drinks para serem feitos durante o encontro, guia de conversas liderados e incentivados por três dos nossos experts em amor. Desiree Cassado, Eleonora Nacif e Saulo Velasco", informa.
A ideia da The School of Life é fazer uma rodada de conversas para ajudar as pessoas a dialogarem melhor e a expressar seus sentimentos. Algumas perguntas como 'O que você prefere sedução ou intimidade?', 'Quais de suas falhas você gostaria que fosse tratada com mais generosidade?' e 'O que é uma conversa significativa em seus olhos?' serão colocadas para discussão no evento.
Os interessados devem se inscrever pelo site. Toda a renda o happy hour será revertida para o banco de alimentos.