INTERNACIONAL

O terrível massacre de Mai Kadra na Etiópia e suas inúmeras questões

Dezenas de cadáveres amontoados em uma fossa na beira de uma estrada apodrecem ao sol em Mai Kadra, duas semanas depois do massacre nesta cidade do Tigré, região dissidente no conflito do norte da Etiópia

AFP
25/11/2020 às 14:29.
Atualizado em 24/03/2022 às 02:26

Dezenas de cadáveres amontoados em uma fossa na beira de uma estrada apodrecem ao sol em Mai Kadra, duas semanas depois do massacre nesta cidade do Tigré, região dissidente no conflito do norte da Etiópia.

Em 9 de novembro, centenas de civis foram assassinados com paus, facas, facões e machados, até mesmo estrangulados com cordas.

Essas atrocidades são alvo de acusações cruzadas que envolvem os dois lados do conflito no Tigré, onde as forças do governo enfrentam as tropas das autoridades regionais da Frente de Liberação Popular do Tigré (TPLF).

O governo autorizou uma equipe da AFP a visitar Mai Kadra, que contava com 40.000 habitantes antes do conflito. Os moradores de etnia amhara, originários da região vizinha de mesmo nome, acusam seus vizinhos da etnia tigré - a maioria dos quais abandonaram a cidade - de terem participado no massacre, quando o Exército etíope se aproximava.

"Milícias e policiais [da região do Tigré] nos atacaram com armas de fogo, os civis, com facões", conta o agricultor Misganaw Gebeyo, de 23 anos, em sua maca de hospital.

"Toda a população participou", insiste.

Antes de ser atingido com um facão e ser dado como morto, escondido em sua casa e aterrorizado, ele viu como um de seus amigos foi decapitado.

"Queriam exterminar os amhara", diz.

O presidente do Tigré, Debretsion Gebremichael, nega o envolvimento das tropas leais à TPLF: "Isso não pode estar relacionado conosco [...]. Temos nossos valores, nossas regras".

Já no vizinho Sudão, os tigré de Mai Kadra, entrevistados pela AFP nos acampamentos onde agora há cerca de 40.000 etíopes, acusam o Exército federal e as milícias amhara que o apoiam de terem atacado civis. O Exército assumiu o controle da cidade em 10 de novembro.

"Os militares etíopes e as milícias amhara entraram na cidade, dispararam para o alto e contra os habitantes", relata Marsem Gadi, um agricultor de 29 anos, refugiado no acampamento de Um Raquba.

"Vi homens vestidos à paisana atacarem os aldeões com facas e machados", relata. "Os cadáveres jaziam nas ruas".

Diante desses depoimentos, Adis Abeba disse que coletou "informações confiáveis, segundo as quais agentes da TPLF se infiltraram nos campos dos refugiados que fugiram para o Sudão para realizar missões de desinformação".

De acordo com Fisseha Tekle, pesquisador da Anistia Internacional, organização que revelou a existência desse massacre, os relatos "não são necessariamente contraditórios": uma espécie de lei de talião étnica, que revela os perigos de um conflito que pode se tornar um confronto comunitário.

Ao anunciar esse massacre, o mais sangrento desde o início do conflito no Tigré em 4 de novembro, a organização de direitos humanos não mencionou explicitamente os autores.

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