Primeira mulher na história de 122 anos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) a assumir o cargo de diretora, Thais Maria Ferreira de Souza Vieira fala sobre quais são as diretrizes e prioridades do seu plano de gestão e outros temas relacionados à instituição
Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, Thais Maria Ferreira de Souza Vieira chega à direção da Esalq (Divulgação)
Primeira mulher na história da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) a assumir o cargo de diretora, Thais Maria Ferreira de Souza Vieira nasceu em Indaiatuba-SP, é Engenheira Agrônoma formada pela mesma Esalq/USP em 1995, doutora em Tecnologia de Alimentos, pela Unicamp (2003), com período sanduíche no Cirad, Montpellier, França, e livre docente pela USP (2015). Foi pesquisadora visitante na University of California, Davis (2018-2019) e pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos (2003-2005). É presidente da Comissão de Graduação da Esalq (2019-2023), coordenadora de convênios de cooperação internacional (ONIRIS, Institut Agro, Bordeaux Sciences Agro, Vetagrosup, UFRO) e do programa de duplo diploma Esalq/ONIRIS (França).
Thais foi vencedora do Prêmio de Excelência em Docência de Graduação da Esalq e do Prêmio de Excelência em Docência da USP, ambos em 2013. Ministra disciplinas de graduação e pós-graduação em desenvolvimento de produtos e processos e coordena projetos de pesquisa e desenvolvimento voltados à otimização de processos, utilizando tecnologias para obtenção de ingredientes funcionais a partir de co-produtos e resíduos agroindustriais, com foco em antioxidantes e com aderência ao ODS 12. Neste bate-papo, é possível ter uma visão abrangente da formação e do pensamento da nova diretora e de como ela pretende dirigir a Esalq durante seu período na coordenação geral.
O que significa para você ser a primeira mulher a assumir a Esalq?
É algo que já vem acontecendo no setor. Grandes empresas, como a Bayer, tem uma CEO mulher, inclusive é uma egressa da Esalq. No setor agroalimentar, felizmente não é incomum termos a presença de mulheres nas áreas que temos aqui na Esalq. Portanto a chegada das mulheres em cargos de gestão é um movimento natural. Entre as unidades fundadoras da Universidade de São Paulo, somente em 2018 a Escola Politécnica empossou sua primeira diretora, a professora Liedi Légi Bariani Bernucci. No início do mês de novembro de 2022, Eloisa Bonfá assumiu como a primeira diretora da Faculdade de Medicina após 110 anos de fundação. Agora, prestes a completar 122 anos, chegou a vez de uma mulher assumir o cargo na Esalq, uma dessas unidades pioneiras da USP. Para Thais Vieira, ser eleita a primeira mulher diretora da Esalq representa a retirada de uma barreira. Temos de eliminar essas barreiras que existem hierarquicamente na sociedade. Esse é um movimento que vem ganhando força e esperamos que assim continue, num processo com equidade, com mulheres e homens ocupando os mesmos espaços, mantendo as diferenças de cada um.
Por que decidiu se candidatar ao cargo de diretora?
Discutir o papel da Universidade e da Esalq e as concepções dessas instituições é sempre importante e deve fazer parte da nossa vida acadêmica. No momento de renovação da diretoria, essa discussão foi iniciada em um grupo que começou pequeno, com pessoas envolvidas nas comissões administrativas (graduação, pós-graduação, pesquisa e cultura e extensão). No segundo semestre de 2022 eu estava envolvida na elaboração do Projeto Acadêmico da Esalq e como eu era presidente da Comissão de Graduação, estava no grupo que tinha a incumbência de avaliar os relatórios dos departamentos. Assim, muitas reflexões vieram à tona e começamos a conversar e avaliar o futuro da Esalq. Nasceu então a ideia de uma candidatura e dentro desse grupo os nomes foram sendo avaliados. Meu nome e do professor Milan se despontaram como líderes dessa proposta, ou seja, como os nomes que iriam compor a chapa na eleição para a nova gestão da diretoria da Esalq. Entendo que pela experiência que eu trouxe da Comissão de Graduação e como professora, meu nome foi indicado. O professor Milan, que fazia parte desse grupo, traz uma enorme experiência em gestão e um equilíbrio para a chapa. Vejo como muita positividade a parceria com professor Milan para a comunidade da Esalq.
Quais os diferenciais você colocar como marcas dessa gestão?
Quero fazer a melhor gestão possível. Não tenho a ambição de ter uma obra com uma plaquinha em algum lugar, pois penso que isso deva ser a consequência do trabalho. O marco da gestão é realmente nos organizarmos para discutirmos aquilo que importa e que as comissões administrativas possam ser ouvidas e possamos valorizar as decisões desses colegiados. Outro ponto que tocamos ainda na campanha é a importância de estabelecermos procedimentos para que a nossa equipe de servidores não docentes, que é fundamental para a existência da unidade, possa ter os fluxos de trabalho muito bem definidos. Temos ótimas pessoas trabalhando na Esalq e minha ideia é otimizar essa governança. Isso é essencial para levarmos adiante os projetos a serem propostos pelas comissões, serviços e departamentos administrativos, além do alinhamento com a Prefeitura do Campus, o Cena (Centro de Energia Nuclear na Agricultura) e o Centro de Tecnologia da Informação, que são as outras unidades que compõem o Campus "Luiz de Queiroz", da USP em Piracicaba.
Quais são as diretrizes e prioridades do seu plano de gestão?
O plano de gestão baseia-se em cinco grandes eixos: Planejamento Estratégico e Projeto Acadêmico elaborados de forma participativa; reflexão sobre os entraves financeiros e jurídicos, com a ideia de fluxos mais abertos e com maior agilidade; mapeamento e realização de treinamentos e ações de acolhimento com os servidores docentes e não docentes; revisão dos índices de desempenho acadêmico; promoção de reuniões de colegiados mais participativas, com discussões conjuntas com maior profundidade.
A Esalq pretende se aproximar mais do ecossistema de inovação local?
Sem dúvida. E já começamos visitando o Parque Tecnológico, tivemos reuniões por lá e empresas já vieram nos procurar. O ecossistema é muito importante para a Esalq e para os nossos pesquisadores. Já temos muitas boas iniciativas sendo realizadas e ampliar essa aproximação será ainda mais viável à medida que nossa governança garanta que nosso potencial de inovação possa ser aproveitado pela sociedade. Mudando comportamento e trazendo novas tecnologias para que aquilo que produzimos cientificamente seja adotado pelo setor produtivo.
Parcerias com instituições de ensino, outras organizações como cooperativas podem ajudar a levar tecnologia aos pequenos produtores?
O importante é pensamos em novos modelos de produção. As grandes propriedades e produção de commodities é importante, mas não menos importante é a produção de alimentos locais, produtores que empregam novas tecnologias e tudo isso pode ser viabilidade a partir das nossas atividades de extensão, que é algo que já fazemos bem e ainda temos potencial para melhorar. Pois a extensão é aquilo que realmente beneficia quem está na sociedade. Precisamos saber quem irá se beneficiar do conhecimento produzido na universidade, ou seja, praticar a extensão de maneira plena.
A interação com outras instituições de ensino sempre é importante. Essa colaboração transdisciplinar é positiva na medida que proporciona avanços palpáveis. A aproximação com outras organizações como Sebrae e Arranjos Produtivos Locais (APLs) são fundamentais também para praticarmos a extensão e trocarmos conhecimentos.
Como a Esalq pode estimular novas gerações a seguir carreiras no setor agrícola?
Isso passa por um trabalho forte de comunicação, que pode ajudar a sociedade identificar o que a Esalq proporciona. Mas quando eu ouço que o agro deve melhorar sua imagem, eu discordo em partes. O que devemos fazer, na verdade, e que pode convencer o público jovem a investir em profissões ligadas a atividade agrícola, é mostrarmos a realidade daquilo que já é muito bem feito no setor produtivo. A imagem deve ser uma consequência. Então podemos destacar a organização das cadeias produtivas, os sistemas regenerativos e evidenciar pessoas que estão fazendo a diferença na sociedade. Nossos egressos se destacam nesse cenário de positividade, ocupando cargos em grandes empresas, em setores governamentais, em organizações não governamentais, enfim, no setor de produção de alimentos, de energia e fibras.
Quais as perspectivas do agronegócio para os próximos anos?
O Brasil possui capacidade para projetar ainda mais no setor no plano global, mas precisamos de estabilidade na realização de projetos de médio e longo prazos. Precisamos ter continuidade nas ações. A Esalq tem um potencial muito grande de contribuição para a agricultura de maneira geral e não somente para o agronegócio. O setor de alimentos, por exemplo, que é minha área de atuação, por ter mais proximidade com o consumidor final, tem se mostrado mais ágil nas modificações para atender esse consumidor. Por exemplo, o consumidor quer conhecer a origem dos produtos, quais são os ingredientes. O atual contexto exige esse tipo de reposicionamento das empresas. O agronegócio em si precisa mostrar mais aquilo que realiza e quais as mudanças estão sendo implementadas, principalmente nas questões relacionadas ao meio ambiente, uso de defensivos e boas práticas agrícolas. Acredito diante disso na necessidade de mudanças dos sistemas produtivos como um todo. O mundo pede essas mudanças.
Quais os rumos e perspectivas para a Esalq nas próximas décadas?
A Esalq, como instituição pública, tem que caminhar para atender o que a sociedade precisa. Temos que ter propostas para ensino, pesquisa, inovação e extensão, sempre aderentes ao que a sociedade espera. Ao longo da nossa caminhada, devemos sempre fazer as mudanças necessárias afim de continuamos competitivos, em termos ações para os alunos, captação de recursos para fomento à pesquisa, com apoio público e privado, sempre levando esses resultados à sociedade, o que é mais importante.