A fim de evitar indisposição com o Congresso, o governo mira em cortar despesas próprias para resolver o impasse do Orçamento de 2021. O uso da "sobra" de recursos do Bolsa Família é uma das alternativas, além de tesourada em despesas não obrigatórias. O ajuste é necessário porque o Orçamento foi aprovado com despesas subestimadas para permitir aumento de emendas parlamentares. O presidente Jair Bolsonaro tem até o dia 22 para sancionar a lei.
A economia com a transferência temporária de beneficiários do Bolsa Família para o auxílio emergencial deve render economia entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões. Como o auxílio será pago por quatro meses também para os beneficiários do Bolsa Família, a expectativa agora é que essa economia possa dar um alívio no Orçamento deste ano.
Essa alternativa esbarra, porém, em entraves legais. Pelo acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU), o governo não pode redistribuir esses recursos, a não ser que sirvam para financiar despesas relacionadas à crise - como um aumento imprevisto nos gastos do seguro-desemprego.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o uso dos recursos ainda não está 100% decidido, mas, se for utilizado, terá de "seguir a linha do TCU", disse uma fonte. No Orçamento, uma das despesas maquiadas é o seguro-desemprego.
O ministro da Cidadania, João Roma, não gosta da ideia e quer utilizar os recursos para o próprio programa no segundo semestre. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, ele prometeu a reformulação do programa para agosto, com o aumento do valor médio e "prêmios" para desempenho acadêmico e esportivo.
Mas a alternativa de usar os recursos do Bolsa Família já chegou ao mercado financeiro, onde se fala num valor de até R$ 15 bilhões, o que não é considerado factível pelo Ministério da Cidadania. No ano passado, o TCU gritou quando tentaram usar essa sobra, mas agora analistas do mercado avaliam que o TCU pode não repetir a ação. No Ministério da Economia, há preocupação com a posição do TCU e o risco de a medida bater de frente com a decisão do órgão, mas não está descartada uma negociação para flexibilizar o uso da "sobra".
Fim de prazo
A uma semana do prazo para a sanção do Orçamento de 2021, a briga continua e se concentra na escolha entre vetar emendas parlamentares ou cancelar despesas discricionárias (que não tem pagamento obrigatório) do Executivo para readequar os gastos sem contratar uma crise política com o Congresso.
Segundo um integrante da equipe econômica, o que está em estudo é a possibilidade de cancelar despesas de custeio ou investimento sob responsabilidade do Executivo para amenizar a tesourada sobre as emendas de relator (que, no jargão orçamentário, têm outro tipo de classificação).
A cúpula do Congresso tentou nos últimos dias, com base em pareceres de consultores legislativos, convencer Bolsonaro de que não há risco de sancionar integralmente o Orçamento. A equipe econômica, por sua vez, vai na direção contrária e vê necessidade de veto para evitar que o texto seja avalizado com despesas maquiadas. A própria consultoria da Câmara reconheceu que a insuficiência é de R$ 21,3 bilhões.
Por trás do movimento da cúpula do Congresso, está o desejo de garantir a obrigação do governo em executar essas emendas, que são impositivas. Se o Legislativo concorda com o envio posterior de um projeto de lei para recompor as emendas vetadas, essas novas despesas aprovadas não serão impositivas e podem sofrer mudanças ou remanejamentos - o que os parlamentares querem evitar.
Dentro da área econômica, porém, a estratégia de mirar nas discricionárias é vista com reserva. O valor já está muito baixo, e a própria Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) estabelece como prioritários os gastos obrigatórios e as despesas necessárias ao "funcionamento dos órgãos e das entidades que integram os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.